Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censura… até na França

A palavra França, por antonomásia, nos traz à mente ‘liberdade’. Certamente deve provir da lembrança do maior postulado da democracia legado pela Revolução de 1789: todos são iguais perante a lei.

Os perseguidos pelos regimes liberticidas encontram nesse país o refúgio para externar livremente seus pensamentos. Por isso, só poderia causar surpresa qualquer tipo de censura à imprensa feito na França, mas lamentavelmente foi o que aconteceu.

Yannick Noah, 45 anos, ex-campeão de tênis, atualmente cantor de música popular e, recentemente, proclamado o personagem mais popular do país, concedeu uma entrevista à prestigiosa revista Paris Match, cuja matéria foi capa com o título ‘Mes quatre verites a la France’ (Minhas quatro verdades à França).

Essas verdades consistem basicamente na discriminação que Noah sofre por ser negro, mas a polêmica surgiu na quarta e última verdade: ‘Se em 2007 o ministro do Interior e presidenciável Nicolas Sarkozy vencer as eleições presidenciais eu deixo o país’.

O entrevistador Dany Jucaud ainda tentou adverti-lo: ‘Tem noção do que acabou de dizer? O senhor é o homem mais popular da França, os políticos tentarão instrumentalizar isso…’. Ao que Noah respondeu: ‘Ninguém conseguirá me instrumentalizar’.

‘Muito longa’

Fato é que a capa da revista não mudou, mas no miolo da publicação a ‘quarta verdade’ foi simplesmente censurada – portanto, as quatro verdades foram somente três.

O fato foi divulgado pelo hebdomadário satírico Lê Canard enchainé:

‘No dia 6 de dezembro Jucaud entrou entusiasmado na redação da revista, anunciando que Yannick Noah, um modelo de integração, o mais amado dos franceses, a grande estrela do Teleton [organização de pesquisas científicas, que visa a cura da distrofia muscular e de outras doenças genéticas] e de mil iniciativas beneficentes, na entrevista tinha pronunciado declarações duríssimas contra Sarkozy.’

O jornalista não sabia que seu diretor estava a um passo de ser despedido, pois no dia 25 de agosto o próprio Paris Match, havia publicado uma reportagem – que também deu capa – sobre Cecília Sarkozy, até então mulher de Nicolas, mas que o havia abandonado por outro. Na foto em destaque, Cecília aparecia com Richard Attias, seu novo companheiro.

A reação de Sarkozy foi no mínimo desastrada. Apareceu na televisão implorando respeito à sua privacidade e exigindo discrição da imprensa sobre as atitudes de sua ex-mulher. Todavia não resistiu em usar seu poder intimidador: mandou vir a seu gabinete o diretor da revista, Alain Genestar, e o obrigou ao pacto nos seguintes termos: mais discrição sobre a vida privada do aspirante à presidência da República; mais atenção às suas razões e aos seus interesses; mas respeito pela grande amizade dele com o dono da revista Arnaud Lagardère e, em troca, seria mantido em seu emprego.

Genestar ainda tentou uma fraca defesa sobre o que havia sido publicado no Canard: ‘A entrevista estava muito longa e eu concordei com uns cortes’.

É lamentável que num país de grandes tradições liberais como a França, venha a ser praticada tão mesquinha censura.

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Jornalista