Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cobertura da imprensa desvaloriza o professor

Em fevereiro, a cobertura da educação pela imprensa paulista enfocou a polêmica a respeito da aplicação de uma prova seletiva para o professorado contratado em caráter temporário pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE). Entre 1/02 e 17/02, foram acompanhados 25 textos, dentre notas, reportagens e artigos de opinião. Houve um predomínio de matérias relatando a disputa judicial entre SEE e sindicato, que recorreu ao sistema de Justiça para o cancelamento da prova; mas com destaque para a fala do poder público.

A questão ganhou centralidade nos jornais de maior circulação no estado, como Folha de S.Paulo – a cobertura mais ampla – Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo. No entanto, as reportagens não relacionaram a prova com a política educacional do governo paulista em sua totalidade. O foco foi o suposto desempenho do professorado.

A opção do governo paulista pela contratação em caráter precário, no lugar da realização de concursos, e o fato de o conjunto de notas ‘zero’ incluir pessoas que sequer fizeram a prova e também aquelas que entregaram ‘em branco’ como forma de protesto, não foram suficientemente problematizados.

Erros no exame e nas notas

Assim como em 2008, o apontamento da necessidade de realização de concurso público é tratado por editorialistas como ‘interesse corporativo’. Os jornais promovem a clássica inversão entre sujeito e predicado: apesar do reconhecimento do problema de origem – a precarização das relações trabalhistas – ganham centralidade as conseqüências de tal problema, eximindo-se o governante de responsabilidade.

A cobertura dos três jornais não responde ao leitor por que o governo paulista mantém cerca de 100 mil docentes em contratação precária. Qual é a responsabilidade do gestor público no caso? Ainda que os resultados da provas apontassem o desempenho do professorado, de quem é a responsabilidade por sua formação? Como é possível, depois de 14 anos de governo de um mesmo grupo, a educação no estado encontrar-se em condição tão precária? Qual o projeto educacional proposto ao Estado? Como se concretiza? Como se materializa financeiramente a suposta priorização da Educação na política pública?

A cobertura da imprensa contribuiu com o processo de desvalorização da imagem pública do professorado, em curso nos últimos anos. Professores ‘nota zero’ é a nova categoria criada para se referir a parte do quadro docente paulista, utilizada apesar de todos os questionamentos da legitimidade e qualidade da prova. Foram muitas as denúncias de erros tanto na aplicação do exame quanto na atribuição de notas. A formulação das questões também foi questionada pelo professorado e por pesquisadores.

Terceirização é questionada

Nesse contexto, cabem novos questionamentos: quem aplicou a prova? Quais foram a média e o desvio padrão? Houve validação do instrumento de avaliação? Quem validou? A logística foi adequada para 200 mil pessoas? Novamente, a SEE preparou material de qualidade amplamente questionável e não é responsabilizada por isso.

Em 3/02 e 4/02, jornais de diferentes partes do país, como A Notícia (SC), Folha de S.Paulo, O Globo e Jornal do Brasil trataram da diminuição do número de pessoas formadas em cursos voltados para disciplinas específicas do magistério. A atratividade da carreira docente foi problematizada nos textos, mas apesar da proximidade temporal e temática, não foi relacionada, nos dias seguintes, ao discurso oficial paulista de desqualificação do professorado.

Apesar da dificuldade em ouvir professores, inclusive para ilustrar as matérias produzidas no contexto da realização da prova, nenhum veículo destacou que a Lei da Mordaça (Estatuto do Funcionalismo Público do estado de São Paulo), que proíbe funcionários públicos de se comunicarem com a imprensa, continua em vigor no estado de São Paulo.

Outro tema bastante discutido por jornais paulistas em fevereiro foi uma investigação da Promotoria de Justiça e Cidadania sobre fraudes em licitação realizada pela Prefeitura de São Paulo para a escolha de empresas que fornecem merenda para as escolas municipais. Uma das empresas acusadas, a SP Alimentação, também aparece em reportagem da Folha de Londrina (PR), de 3/02. Vistorias do Conselho Municipal de Alimentação da cidade paranaense encontraram indícios de má conservação de alimento. Lá, a terceirização do serviço nas escolas também é questionada. Os casos podem estimular jornais de outras localidades que optaram pela privatização a levantar informações sobre o serviço prestado e processos licitatórios.

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Da equipe do Observatório da Educação