Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cobrindo a Camorra sob o ‘Efeito Saviano’

O jornalista e escritor italiano Roberto Saviano vive sob proteção policial. Autor do livro Gomorra, sobre a máfia napolitana, ele virou figura fácil na mídia nacional – mesmo depois que ameaças de morte o forçaram a se esconder – e foi o responsável por aumentar o foco sobre as atividades da Camorra. O best seller virou filme, e os holofotes que iluminam Saviano passaram a contrastar com a sombra em que, até então, atuavam outros jornalistas especializados no assunto.

É o caso da jornalista veterana Rosaria Capacchione, que reporta, desde o meio dos anos 1980, as mortes violentas, vidas breves e complexas finanças das principais famílias da Camorra. O ‘efeito Saviano’ acabou atingindo Rosaria, que, no início do ano, passou a contar com escolta policial depois que um réu da Camorra ameaçou-a de morte durante um julgamento – Saviano e o magistrado Raffaele Cantone, que já tinham proteção policial constante, também receberam ameaças na ocasião.

Sem liberdade

Rosaria, que trabalha para o diário Il Mattino, na província de Caserta, próxima a Nápoles, odeia a proteção policial. ‘Perdi toda a liberdade que tinha’, afirma. ‘O engraçado é que eu sofri ameaças bem mais sérias ao longo dos anos, mas não havia o ‘fenômeno Saviano’. O resto do mundo não sabia que a Camorra ou que os Casalesi [um dos principais clãs da Camorra] existiam. Eu trabalho com isso desde antes de Saviano nascer’, queixa-se. Saviano tem 29 anos.

Sob a Camorra, a região de Campânia, onde fica Nápoles, tornou-se o centro de uma rede criminosa internacional que envolve tráfico de drogas, depósitos de lixo tóxico, fraude e lavagem de dinheiro. Em seu recente livro, O Ouro da Camorra, Rosaria segue a carreira de quatro dos principais líderes dos Casalesi: Francesco Schiavone, Francesco Bidognetti, Michele Zagaria e Antonio Iovine. Os dois primeiros estão presos, cumprindo prisão perpétua; os dois últimos estão na lista dos principais procurados da Itália.

A jornalista usou suas apurações e transcrições de julgamentos para mostrar como os chefes da máfia se beneficiaram dos contratos para a construção de um trem de alta velocidade para Nápoles. Ela revela também como, por conta dos negócios obscuros da Camorra, a região tem altas taxas de viciados em cocaína e índices elevados de câncer. ‘Eu não queria escrever um livro’, diz ela, completando que foi praticamente forçada por sua editora a fazê-lo. Rosaria se vê como uma repórter, e fica desconfortável com o ‘circo da mídia’ montado em seu redor depois da ameaça que recebeu.

Prêmio roubado

Fato é que ela não é mais uma simples repórter anônima. No mês passado, Rosaria chegou em casa para encontrar seu apartamento, onde vive sozinha, todo revirado. Quase nada foi roubado. ‘Eles levaram um prêmio de jornalismo que eu tinha ganhado’, conta, ressaltando não saber o responsável pela bagunça.

Ela sabe que é difícil encontrar um culpado. Na terra da Camorra, os limites entre legalidade e ilegalidade não são claros. Não é raro encontrar personagens do crime organizado com parentes no sistema judiciário ou em outras atividades públicas. ‘Se você compra uma sentença, significa que alguém a vendeu’, diz a jornalista. Ainda que a máfia dependa menos de políticos hoje, ela afirma que há políticos que precisam da máfia para conseguir votos. Para os cidadãos comuns, fica difícil distinguir o certo do errado. Um estudo de 2007 concluiu que o crime organizado representa o maior segmento da economia italiana: 7% do produto interno bruto, ou US$ 127 bilhões anuais.

Rosaria diz que não sabe se há uma solução para o problema. ‘É complexo. Ao longo dos anos, eles prenderam centenas e centenas de pessoas’, lembra. Os membros dos clãs se renovam. Ela já acompanha a terceira geração de mafiosos, e lembra que, como jornalista, ‘é parte neutra’ da história. Ainda assim, ela sabe que, mesmo com proteção policial, a Camorra pode matá-la. Não tem intenção de mudar de trabalho, entretanto. ‘Meu plano é continuar fazendo o que sempre fiz’, conclui. Informações de Rachel Donadio [The New York Times, 29/11/08].