A partir de 19/5/2006, o filme O código Da Vinci, baseado no romance de Dan Brown, pode ser visto nas telas de cinema de muitos países, apesar de inúmeros protestos e, até mesmo, de batalhas judiciais, que procuraram criar obstáculos à exibição da obra. Viva a liberdade de expressão!
Como se sabe, as crenças religiosas de diversas denominações cristãs são confrontadas na ficção do autor de O código Da Vinci. As polêmicas e as controvérsias desencadeadas a partir do livro e agora, sensivelmente, engrandecidas pelo cinema estão relacionadas à colisão de dois direitos fundamentais: de um lado o direito à liberdade de expressão e de outro o direito à liberdade religiosa ou, mais especificamente, o sentimento religioso.
A batalha das religiões contra a liberdade de expressão é antiga. Nesse sentido, o constitucionalista português Jónatas Machado observa que ‘as autoridades políticas e religiosas desde cedo procuram subordinar a imprensa aos seus próprios interesses e desígnios, dessa forma minimizando o seu poder de articulação de pensamento crítico’. Por vezes, esse enfrentamento levou ao obscurantismo, à intolerância e à fogueira, que ceifou vidas e idéias.
Pode parecer, à primeira vista, contraditório que um defensor da liberdade religiosa se incline, aparentemente, pela liberdade de expressão em detrimento da própria liberdade religiosa. Todavia, essa opção não foi tomada em nome da irreligião ou, muito menos, contra a liberdade religiosa. Ocorre que, sem liberdade de expressão não há liberdade religiosa. A censura prévia ou, até mesmo judicial, tem um efeito deletério sobre o livre pensamento e o pluralismo religioso. O povo tem o direito de ser informado sobre todas as opiniões religiosas. Cada um deve ser livre para fazer as suas escolhas e julgamentos de valor no campo religioso. Por isso, nenhuma religião, confissão religiosa ou crença pode pretender imunidade em relação a críticas ou objeções. Os meios de comunicação social devem ser livres, a liberdade de expressão deve ser a mais ampla possível e o pensamento crítico não pode sofrer restrição.
Com Voltaire
O autor de ‘Areopagítica: Discurso pela liberdade de imprensa ao Parlamento da Inglaterra’, John Milton, foi um pioneiro na defesa da liberdade de expressão. Ele pontuava no sentido de que o erro sempre acaba por contrastar ou realçar a verdade. Gandhi também dizia que a verdade sempre haveria de prevalecer. Portanto, a restrição à liberdade de expressão é completamente inútil, senão um completo desserviço à democracia e à verdade. Assim sendo, somente o erro e o obscurantismo podem se beneficiar com a censura do livre pensamento.
Segundo a parábola de Jesus, até a final colheita, o joio deve crescer junto com o trigo. Seria razoável pensar que o Estado não pode fazer essa separação entre o joio e o trigo. Da mesma forma, ele também não pode pretender discriminar a verdade do erro. Por conseguinte, o bom senso diz que o Estado não está apto para censurar opiniões ou críticas religiosas. Não se pode olvidar, ainda, que o Estado brasileiro é, conforme a Constituição de 1988, laico (não-confessional) e deve se manter neutro em matéria religiosa. Ele deve, sem dúvida nenhuma, garantir o exercício da liberdade religiosa. Contudo, as críticas religiosas não impedem tal exercício.
No momento em que a liberdade de expressão ganha terreno, os maiores beneficiários são o livre pensamento, o direito à informação e a liberdade religiosa de todos os cidadãos. Diante da ficção de Dan Brown, os cristãos devem ter a coragem de dizer com Voltaire: ‘Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo’.
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Advogado, vice-presidente da Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania (Ablirc), autor de Liberdade religiosa no direito constitucional e internacional, São Paulo, Juarez de Oliveira, 2002 (www.aldirgsoriano.blogspot.com/)