A mídia brasileira deu ampla repercussão a uma notícia vinda do exterior acerca do ‘número de jornalistas mortos em serviço’ no mundo inteiro. As cifras correspondentes foram levantadas, verificadas e divulgadas pelo Committee to Protect Journalists (Comitê de Proteção de Jornalistas – CPJ). O CPJ é uma organização sem fins lucrativos, independente (não recebe verbas governamentais, sendo mantida por contribuições voluntárias). Desde 1981 ela promove a liberdade de imprensa globalmente, defendendo os direitos dos jornalistas realizarem seu trabalho sem medo de represálias. A organização, com sede na cidade de Nova York, Estados Unidos da América, está articulada em 120 países.
A agenda de pesquisa, ‘advocacia’ e ativismo da causa do CPJ transcende a missão básica e direta da organização, quer seja defender os interesses profissionais (de diretores, repórteres e fotógrafos, entre outros) atuando na ‘linha de frente’ do jornalismo internacional. A organização aponta, expressamente, que ‘sem uma imprensa livre, poucos outros direitos humanos podem ser atingidos. Um ambiente de liberdade de imprensa forte encoraja o crescimento de uma sociedade civil robusta, o que leva a democracias sustentáveis e estáveis e a um saudável desenvolvimento social, político e econômico’.
Parece natural, entre membros de nações livres e democráticas, um sentimento de solidariedade universal em relação a jornalistas, de qualquer nação, que estejam irregularmente detidos, sendo atacados fisicamente, censurados indevidamente, expulsos ou aprisionados arbitrariamente em países estrangeiros, sendo impedidos de trabalhar, desaparecidos ou ameaçados. E todas essas ações são objeto da atenção e reação do CPJ. A pior de todas elas, o assassinato, é realmente a pior das ‘más notícias’ sobre os ‘profissionais da notícia’, enquanto notícia… E essa e outras notícias ‘menos ruins’ sobre o tema estão sendo divulgadas em detalhe no relatório do CPJ difundido nesse final de 2010.
Jornalistas brasileiros listados
Uma simpatia e solidariedade com os profissionais do jornalismo não é sem razão. Eles muitas vezes atuam na fronteira do perigo – na linha de frente – limite que muitas vezes separa a vida e a morte, fazendo isso em nome da causa de bem informar e de altos princípios dos direitos humanos e da cidadania. Eles são verdadeiros heróis – ‘soldados da informação’ –, se o heroísmo é um atributo de coragem e nobreza de homens e mulheres que, por uma causa, são capazes de enfrentar o risco ou até mesmo a perda da própria vida. Entre eles, constam vários brasileiros, listados pelo CPJ entre os jornalistas mortos nos últimos anos.
Jornalistas brasileiros mortos listados pelo CPJ (mortos por motivos confirmados):
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Francisco Gomes de Medeiros, Radio Caicó – 10 de outubro de 2010 – Caicó**
Luiz Carlos Barbon Filho, Jornal do Porto, JC Regional e Rádio Porto FM – 5 de maio de 2007 – Porto Ferreira**
José Carlos Araújo, Rádio Timbaúba FM – 24 de abril de 2004 – Timbaúba**
Samuel Romã, Radio Conquista FM – 20 de abril de 2004 – Coronel Sapucaia**
Luiz Antônio da Costa, Época – 23 de julho de 2003 – São Bernardo do Campo**
Nicanor Linhares Batista, Rádio Vale do Jaguaribe – 30 de junho de 2003 – Limoeiro do Norte**
Domingos Sávio Brandão Lima Júnior, Folha do Estado – 30 de setembro de 2002 – Cuiabá**
Tim Lopes, TV Globo – 3 de junho de 2002 – Rio de Janeiro**
Zezinho Cazuza, Rádio Xingó FM – 13 de março de 2000 – Canindé do São Francisco**
José Carlos Mesquita, TV Ouro Verde – 10 de março de 1998 – Ouro Preto do Oeste**
Manoel Leal de Oliveira, A Região – 14 de janeiro de 1998 – Itabuna**
Edgar Lopes de Faria, FM Capital – 29 de outubro de 1997 – Campo Grande**
Reinaldo Coutinho da Silva, Jornal de Cachoeiras – 29 de agosto de 1995 – São Gonçalo**
Aristeu Guida da Silva, A Gazeta de São Fidélis – 12 de maio de 1995 – São Fidélis**
Marcos Borges Ribeiro, Independente – 1° de maio de 1995 – Rio Verde**
Zaqueu de Oliveira, Gazeta do Barroso – 21 de março de 1995 – Minas Gerais**
João Alberto Ferreira Souto, Jornal do Estado – 19 de fevereiro de 1994 – Vitória da ConquistaJornalistas brasileiros mortos listados pelo CPJ (motivos não confirmados):
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José Givonaldo Vieira, Bezerros FM e Folha do Agreste – 14 de dezembro de 2009 – Bezerros**
Jorge Lourenço dos Santos, Criativa FM – 11 de julho de 2004 – Santana do Ipanema**
Mário Coelho de Almeida Filho, A Verdade – 16 de agosto de 2001 – Magé**
Natan Pereira Gatinho, Ouro Verde – 17 de janeiro de 1997 – ParagominasO estudo aponta os seguintes detalhes dos casos brasileiros:
(i) percentuais das mortes em termos de temas cobertos (em alguns casos mais de um tema): 76% corrupção, 35% crime, 29% política, 24% direitos humanos e 6% negócios;
(ii) percentuais das mortes em termos de local: 100% no próprio país/Brasil;
(iii) percentuais das mortes por classificação do crime: 100% por homicídios;
(iv) percentuais das mortes por tipo de autor do crime: 59% funcionários públicos, 35% criminosos e 6% de moradores do local do crime;
(v) percentuais das mortes em termos de resultados da apuração feita pelo sistema de justiça criminal: em 12% dos casos a justiça foi feita completamente, em 12% apenas parcialmente e em 76% dos casos houve completa impunidade;
(vi) percentuais das mortes em termos da situação prévia da vítima: 41% haviam sido ameaçadas, 6% aprisionadas e 6% torturadas.
Treinamento de sobrevivência
Algo ainda pouco conhecido globalmente vem sendo feito de maneira estruturada para preparar os jornalistas da ‘linha de frente’ para os perigos que costumam enfrentar. Utilizando o jargão militar, são ‘treinamentos de sobrevivência’ que passaram a ser ministrados aos profissionais da informação que, por força do ofício, precisam atuar em ambientes hostis. O tema foi objeto de diferentes matérias, dentre outras fontes no jornal The Independent, noticioso britânico (edição de 21 de julho de 2008), sob o título ‘Survival training: The hostile environments course that is saving reporters´ lives’ (Treinamento de sobrevivência: O curso sobre ambientes hostis que está salvando vidas de repórteres).
Um objetivo geral desse curso é condicionar reações específicas diante de situações típicas de ambientes hostis. Ou seja, são treinados e condicionados os comportamentos e respectivas reações mais condizentes com a possibilidade de sobrevivência, vis-à-vis padrões de hostilidade previamente identificados, conhecidos e estudados. O que fazer, por exemplo, enquanto ‘procedimento padrão’, em meio a um tiroteio? Afora treinar como comportar-se diante da adversidade produzida intencionalmente por terceiros, o curso também abarca temas como procedimentos de primeiros socorros para serem ministrados por/em companheiros de profissão. Mais especificamente, a matéria refere até mesmo o desenvolvimento da capacidade crítica de perceber quando um mecanismo de segurança de uma arma de fogo é destravado por alguém que está ao redor. Outros cenários descritos incluem ambientes com minas terrestres, aprisionamentos violentos etc. Como comportar-se, por exemplo, em relação aos autores de atrocidades testemunhadas por jornalistas?
O paralelismo entre o treinamento de sobrevivência dos profissionais do jornalismo e o de militares fica ainda mais evidente quando, na mesma matéria, é apontado: ‘Você não espera que um soldado vá para guerra sem treinamento (…) Jornalistas são os únicos profissionais que enfrentam situações de perigo sem terem sido devidamente preparados para tanto’ (International News Safety Institute, Insi – Instituto para Segurança do Noticiário Internacional). Depois de referir casos reais em que o treinamento de sobrevivência teria sido decisivo para prevenir desfechos ainda mais adversos, a matéria citada refere uma pesquisa fita pelo Insi e concluiu que, entre 1996 e 2006, de mil jornalistas mortos, 657 dos casos ocorreram em tempos de paz e nos próprios países dos profissionais falecidos. Função dessa importante conclusão, um treinamento de sobrevivência para jornalistas deve incluir situações tão diversas como demonstrações civis que descambam para a violência, passando por trabalhos de campo rotineiros do jornalismo investigativo (como no caso de Tim Lopes…), sem deixar de incluir, claro, ‘zonas de guerra’.
Ambiente internacional, ambientes domésticos
Curiosamente para o leitor brasileiro da matéria do noticioso britânico, é citado o caso de uma jornalista brasileira buscando treinamento para sobrevivência em ambientes urbanos violentos. Segundo ela, o maior desafio para os jornalistas do país seria trabalhar nas favelas, locais semelhantes a ‘zonas de guerra’ sem as regras observadas nas ‘guerras declaradas’: ‘Não há lado certo ou errado, até mesmo a polícia pode ser seu inimigo’ teria declarado a brasileira.
Ao final da matéria são apontadas referências textuais de dirigentes estrangeiros da área jornalística que dão suporte à necessidade de treinamento de sobrevivência para jornalistas atuando não só no ambiente internacional (como os profissionais de grandes agências internacionais de noticias), mas também em pequenos ambientes domésticos nacionais (como no caso de alguns dos jornalistas de organizações locais brasileiras, pouco conhecidas, citadas junto aos nomes da relação de jornalistas brasileiros mortos).
Ao final, é emblemática a declaração de John Owen, professor norte-americano de jornalismo: ‘Não aceito nenhuma justificativa para não haver treinamento em segurança para jornalistas. Se não podem pagar por isso, não devem mandar essa gente trabalhar’.
(As referências a conteúdos originais em língua estrangeira foram adaptadas culturalmente como ‘tradução livre do autor’.)
Fontes
** Survival training: The hostile environments course that is saving reporters’ lives – Marie Dhumières
** 7 Journalists Killed in Brazil since 1992/Motive Confirmed – CPJ
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Professor, Brasília, DF