Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Concentração e liberdade

Contraditório, diversificado e fragmentado, o noticiário dos últimos dias convergiu para as ameaças à liberdade de escolha. Assim identificado o tema parece distante, inocente, inofensivo, mas o direito de aceitar ou recusar – crenças, regimes, pessoas, produtos ou serviços −é um dos fundamentos da sociedade democrática.

Embora as fusões e confusões protagonizadas pelo Pão de Açúcar e o Carrefour, a Gol e a Webjet, a Sadia e a Perdigão situem-se na inacessível e incompreensível esfera empresarial, elas afetam princípios elementares da livre concorrência, da economia de mercado e do Estado de Direito. Se juntarmos estas perigosas alianças concentradoras à incrível onda de escândalos na mídia anglo-americana provocadas pelo poder do insaciável Rupert Murdoch fica fácil perceber os perigos contidos na ilimitada e incontrolada aglutinação empresarial.

Foi nossa imprensa quem acionou o alarme quando se tornou evidente que a fusão de duas gigantescas redes de supermercados produziria um imbatível e voraz oligopólio bancado pelo cidadão brasileiro duplamente penalizado − como contribuinte e consumidor. Mas foi o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) o responsável pela suspensão da compra da Webjet pela Gol e pelas exigências que evitarão os futuros abusos da gigantesca Brazil Foods, fruto da fusão da Sadia com a Perdigão. O controle virtual da produção e comercialização da carne suína e avícola no país afetará não apenas o bolso e a bolsa dos brasileiros, mas também os produtores rurais que os abastecem.

Importante registrar que o Cade não é invenção brasileira, nem bolivariana, foi incubado nas doutrinas da matriz do capitalismo, os Estados Unidos, efetivadas por um presidente reeleito três vezes com folgada maioria. Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) criou em 1937 a FTC, Federal Trade Comission, voltada para garantir a concorrência leal, evitar os vorazes monopólios, trustes e, sobretudo, proteger o empreendedorismo, responsável pela vitalidade da economia americana.

A fusão da Gol com a Webjet −desativada mas não desfeita − é ainda mais desastrosa porque agrava um duopólio já denunciado pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, quando foi encarregado de acabar com o caos aéreo. O caos está latente, maquiado, e tende a agravar-se progressivamente diante das demandas de uma economia aquecida e das enormes pressões antes, durante e depois dos grandes eventos desportivos de 2014 e 2016.  O atual duopólio trava a expansão, corrompe o sistema e agride os direitos dos usuários.

Sem o Cade e, por extensão, sem a noção republicana de regulação e equilíbrio, o país continuaria colonizado dentro do sistema de capitanias. Num mundo cada vez mais massificado e globalizado, acentua-se o fantasma do gigantismo que não se limita à economia: dela transfere-se para a política, desta para a administração, saúde, educação, cultura, e alcança a própria organização urbana. A humanização de uma megalópole como São Paulo passa obrigatoriamente por sucessivas desconcentrações e alternâncias que incluem horários, dias de trabalho e descanso.

Concentração e polarização são nomes diferentes para um mesmo fenômeno. Maximização e embrutecimento são seus resultados imediatos. A busca de escala e produtividade não pode servir de pretexto para a eliminação de opções e alternativas.

A humanidade é criativa, naturalmente diversificada, comandada pelo instinto fundamental da liberdade de escolher.