Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Contra a concentração, pela diversidade

Se existe uma unanimidade entre governantes, empresários e ativistas da área das comunicações no Brasil ela diz respeito à urgência de reformar o marco regulatório do país para adequá-lo ao cenário da convergência tecnológica. Constatado o problema, as diferenças surgem quanto a dois aspectos centrais relacionados a ele: a caracterização do fenômeno e a forma da regulação a ser adotada. Para discutir estas questões fulcrais na atual conjuntura do setor, o Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom) promoveu na segunda-feira (11/5) o debate ‘Convergência das comunicações e democratização’. O encontrou contou com a participação de Gustavo Gindre, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Alex Patez Galvão, coordenador do Núcleo de Assuntos Regulatórios da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e do professor da UnB César Bolaño.


Para Gindre, a convergência deve ser entendida como um processo contraditório. Por um lado, a emergência do ‘mundo IP’ [Internet Protocol] traz uma dinâmica dialógica para a troca de informação, que rompe com aquela consagrada no modelo da radiodifusão, caracterizada pela verticalização. Por outro, ela integra seus usuários sob a lógica da sociedade de consumo e promove uma estruturação concentradora do mercado da área.


Segundo Alex Galvão, esta tendência de concentração é resultado da característica da mercadoria informação produzida pelos diversos meios. Uma vez que ela possui alto custo de produção e baixo custo de distribuição, o mercado acaba privilegiando a formação de grupos com capital suficiente para fabricação dos produtos e serviços e integrado o suficiente para potencializar o reposicionamento dos conteúdos em diversos espaços e fases da cadeia de valor.


‘É um mercado que tende à concentração horizontal, à integração vertical, e também à estratégia de expansão em diagonal (de escala e de escopo), que gera um reempacotamento em meios diferenciados’, analisa. Como conseqüência disso, acrescenta, ‘as empresas grandes, que têm muitas possibilidades de distribuição e mercados que são relativamente garantidos, podem cobrar preço muito baixo por aquilo que elas produzem, e mesmo assim tendo lucro, e continuar produzindo e vendendo para o mundo todo. E as empresas menores têm poucas possibilidades, e muitas vezes não conseguem competir com empresas de grande porte’.


Já César Bolaño considera que o fenômeno da convergência não está relacionado apenas às características próprias dos mercados da informação, mas ocupa papel central na consolidação de um novo padrão de desenvolvimento do capitalismo. Com a crise do padrão anterior, conhecido como fordismo e calcado no consumo em massa de bens duráveis, os grandes grupos empresariais passaram a disputar em nível internacional, o que demandou a inovação intensiva das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).


Além de servirem de suporte à expansão global de conglomerados, as TICs, especialmente as telecomunicações, passaram elas mesmas a serem um nicho pressionado para uma migração da abrangência nacional para novos mercados ao redor do mundo. As quebras dos monopólios nos Estados Unidos e na Europa foram resultado dessas pressões e possibilitaram a criação de grupos que passaram a buscar novos mercados, especialmente no dito ‘terceiro mundo’, para serviços tradicionais como a telefonia e os de valor agregado, como aqueles relacionados à internet.


Para o professor da UnB, a digitalização dos suportes de informação, que começa na internet e se expande para outras mídias tradicionais, é o ponto alto de maturação dos impactos tecnológicos deste processo. ‘A idéia da digitalização é chave tanto para o processo de reestruturação produtiva, da construção de novos setores, quanto do ponto de vista da retomada da hegemonia norte-americana, no projeto das infra-estruturas globais da informação’, disse.


Polêmicas em torno da internet


Partindo desta avaliação, Bolaño destacou que é preciso desconstruir o mito de uma condição democrática a priori das novas tecnologias. ‘A internet te dá aparência de autonomia, de privacidade, em relação às formas tradicionais de construção da hegemonia, mas na verdade o que está acontecendo é o aprofundamento do processo de individualização e de relação do indivíduo diretamente com o sistema, sempre mediada através do capital e da estrutura da sociedade de consumo. As formas de controle são cada vez mais transparentes, sutis, porque indivíduos passam a aderir a isso. Os malefícios da internet não são facilmente visíveis.’


Mas concordou com a avaliação de Gustavo Gindre, de que existe um caráter contraditório na rede. No entanto, lembrou que esta esfera, para servir às lutas sociais, precisa ser conquistada por aqueles segmentos e forças que lutam por uma sociedade diferente, mais justa.


Já para Alex Galvão, o desafio não está relacionado à fé ou não nos atributos deste novo meio, mas em como colocá-lo a serviço de um projeto democratizante. Para atingir este objetivo, o mercado não pode ser deixado à própria sorte, mas deve ser objeto de uma pesada regulação. ‘Alguns dizem que a internet traz mais diversidade. Para você ter mercado, competição, no setor de mídia, e ter democratização da comunicação, é preciso ter Estado. Para mais mercado, é preciso mais Estado’, enfatizou.


Regulação para promover diversidade


Partindo dessa premissa, Galvão defendeu que o objetivo central de uma nova regulação para um ambiente convergente seja a promoção da diversidade de pontos de vista e opiniões. ‘Quando falamos em democratização da comunicação, devemos considerar o direito à comunicação, a diversidade, o direito de resposta. São vários elementos, mas vou centrar na diversidade de opiniões e pontos de vista’, assinalou.


Na opinião do representante da Ancine, a despeito da lógica concentradora, é possível dar um ‘choque de capitalismo’ no setor das telecomunicações, desde que em um ambiente fortemente regulado por este novo marco. ‘O Estado deve usar o seu poder regulatório para equilibrar a oferta de serviços e garantir novos agentes, como por meio de mecanismos de cotas, por exemplo’, exemplificou.


César Bolaño concordou que a diversidade é um projeto central para o futuro marco regulatório convergente, mas ressaltou que é preciso colocá-la a serviço de um projeto diferenciado de comunicação e de sociedade. ‘Acho que a diversidade é importante, mas ela precisa ser colocada no plano da hegemonia, de quais vozes podem e conseguem se colocar na esfera dos meios de comunicação’, defendeu.


Assim, continuou, a diversidade deve ser pensada sob a ótica de abertura de espaço não a mais dos mesmos agentes empresariais, mas na promoção de meios públicos que expressem as várias facetas culturais, sociais e políticas do país e no controle dos meios privados comerciais de modo que estes respondam a contrapartidas pelo uso de bens públicos ou pela possibilidade de auferirem lucros em determinados mercados.


Regulação por camadas


Gustavo Gindre afirmou que a melhor forma de evitar a concentração que represa a diversidade e garantir um controle da população sobre a organização do mercado e sobre os serviços prestados é regular o ambiente convergente ‘por camadas’. Assim, haveria regramentos diferenciados para as camadas da infra-estrutura de distribuição (como as redes físicas por onde trafegam dados ou o espectro eletromagnético), lógica (aquele onde estão definidos os códigos para o tráfego de dados) e a dos serviços e conteúdos (onde se manifesta a produção, a programação e a definição de qual tipo de informação será ofertada de qual maneira ao cidadão).


‘Hoje ainda regulamos por tecnologia, enquanto a tendência internacional é a regulação por camadas, assumir que infra-estrutura, seja ela física ou wireless [sem fio], é uma camada, tem a camada dos protocolos, e a camada do conteúdo/serviços. Para mim está claro que a camada de infra-estrutura é sim monopolística. Não é problema desde que eu assuma isso, tenha políticas para isso e libere a camada de conteúdo para explosão de diversidade’, sugeriu.


Segundo Gindre, a maioria dos países tem optado por este modelo. O exemplo mais conhecido é da União Européia, que atualizou a diretiva Televisão Sem Fronteiras extinguindo a divisão entre tecnologias para regular conjuntamente o que foi chamado de ‘serviços audiovisuais’. Para o Brasil, acrescentou, deveria ser pensada solução semelhante, considerando nossas especificidades. Este novo marco, no entanto, não pode ser resultado da queda-de-braço entre os radiodifusores, que vêm se enfraquecendo mas ainda possuem grande poder político no país, e as empresas de telecomunicações, que avançam pelas brechas e esperam um novo ambiente que têm certeza que virá cedo ou tarde.


Concordando com Bolaño e Galvão, Gindre defendeu que um marco baseado na regulação por camadas, para combater a concentração e promover a diversidade, deve: (1) impedir que um mesmo ator detenha a infra-estrutura e também preste serviços, (2) garanta que a infra-estrutura seja aberta a qualquer um que deseje oferecer serviços mas também que assegure a distribuição de agentes públicos e sem fins-lucrativos, (3) garantir recursos para que agentes não-comerciais possam produzir e distribuir seus conteúdos.


Para isso, concluiu, é preciso vencer dois desafios: o da banda larga e o do modelo de produção. No primeiro caso, é necessário superar o quadro atual, com apenas 18% dos lares contemplados com esta tecnologia, por meio de uma política de universalização ou calcada na separação entre infra-estrutura e oferta de banda larga, ou potencializando a rede física em posse do governo para construir uma infra-estrutura pública de banda larga para atender a população que não pode pagar.


No segundo caso, do modelo de produção, lembrou que atualmente toda a indústria de conteúdos tem trabalhado na lógica de clusters, ou pólos de produção. Temos que enfrentar este problema dando conta de promover a regionalização. Um obstáculo necessário à resolução deste nó é a reforma do modelo de financiamento da produção. ‘Temos que superar o modelo de renúncia fiscal, que acontece só no Brasil. Nós permitimos que o privado pegue o dinheiro público para financiar o setor’, disse.

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Do Observatório do Direito à Comunicação