Após um mês de julgamento de I. Lewis Libby, uma conclusão: anotações não são provas confiáveis. Para nada. Elas podem ser feitas por jornalistas, agentes do FBI ou funcionários da Casa Branca, e levar à publicação de artigos, acusação formal de pessoas ou elaboração de políticas públicas. Portanto, o peso que carregam é enorme, principalmente se for levado em conta a alta probabilidade de falhas que possuem.
‘Com base no que ouvi neste julgamento, eu não sei se as anotações são a melhor prova possível’, desabafou, em uma das audiências, o juiz Reggie B. Walton, encarregado do caso que tenta descobrir quem vazou à imprensa a identidade secreta da agente da CIA Valerie Plame. Libby, ex-chefe de Gabinete do vice-presidente americano, Dick Cheney, é julgado por acusações de perjúrio e obstrução à justiça em uma longa investigação que tem em anotações de apurações jornalísticas sua grande base.
Para se determinar o responsável pelo vazamento de informação confidencial à imprensa, a promotoria já virou e revirou blocos de anotações para checar se, e quando, repórteres receberam a tal informação. Mas o quanto do que está escrito nestes blocos é preciso?
Fotografias da memória
Pesquisadores que estudam anotações (sim, eles existem) afirmam que as falhas são comuns. Basta observar o exemplo de jovens estudantes universitários: sua memória está a pleno vapor, seu sucesso nos estudos depende em larga escala das notas que tomam nas aulas e eles praticam a atividade diariamente. Ainda assim, apenas cerca de 30% de informações importantes passadas em sala de aula chegam ao caderno de um aluno típico, afirma Kenneth A. Kiewra, professor de psicologia educacional da Universidade de Nebraska.
Parte do problema é o fato das palavras serem filtradas pelo cérebro antes de chegar à página. Normalmente, não anotamos dados que já sabemos ou informações que não entendemos completamente. Por outro lado, nossas impressões sobre determinado assunto podem influenciar as notas que tomamos. Desta forma, anotações podem ser consideradas mais fotografias da memória do que registros oficiais.
A historiadora de Harvard Ann Blair conta que historiadores revisaram diversas anotações sobre um mesmo sermão da Idade Média e descobriram que pessoas diferentes criaram registros completamente diferentes. Voltando à atualidade, no caso do vazamento da identidade da agente da CIA, a agente do FBI Deborah Bond escreveu um relatório onde afirma que Libby ‘negou inflexivelmente’ ter conversado sobre o assunto. Nas notas originais do FBI, entretanto, não há nenhum registro desta negativa do então chefe de gabinete. Pelo contrário, as anotações mostram que Libby disse que poderia ter falado sobre Valerie Plame, mas não se lembrava. ‘Inflexivelmente pode não ter sido o melhor termo’, concordou Deborah no julgamento.
Notas incertas
O indiciamento de Libby ocorreu porque os promotores o acusam de ter contado à então repórter do New York Times Judith Miller sobre a agente da CIA – que é casada com um ex-embaixador crítico ao governo Bush. Como prova, eles recorreram às anotações de Judith, que contêm a frase ‘Esposa trabalha para o bureau?’, entre parênteses. A jornalista, em seu depoimento, afirmou acreditar que Libby tenha contado a ela que Valerie trabalhava para um escritório da CIA, mas ressaltou que às vezes coloca entre parênteses informações que já tinha e que pretende perguntar, ou confirmar, com o entrevistado.
O ex-repórter da revista Time Matthew Cooper testemunhou que Libby confirmou a ele que Valerie era funcionária da CIA. Esta informação, entretanto, não se encontra nos blocos de anotações do jornalista. Libby alega que falou a Cooper que tinha ouvido algo a respeito de Valerie mas não sabia ao certo. Há uma frase nas anotações do jornalista que nem ele sabe explicar: ‘had somethine about the wilson thing and not sure if it´s ever’ (que pode ser traduzido como: ‘tinha algo sobre a coisa do wilson e não ter certeza se alguma vez’). Os advogados de Libby acreditam que a frase signifique ‘ouviu algo sobre a coisa do Wilson, mas não tem certeza se é verdade’, o que se encaixaria na versão do ex-funcionário do governo.
Há, ainda, as anotações do próprio Libby em jogo. O então chefe de gabinete costumava listar coisas para fazer, mas também anotava coisas que havia acabado de saber. Quando riscava algum item, às vezes significava que ele já havia discutido aquilo com o vice-presidente; outras vezes queria dizer que ele havia desistido de levar o assunto a Cheney. Confuso, não?
‘Suas anotações não são raios-X. Suas anotações servem de guia para você’, explica Roger W. Shuy, especialista em linguística da Universidade Georgetown que revisa documentos e anotações em processos legais. Informações de artigo de Matt Apuzzo [AP, 23/2/07].