A caixa de comentários abre um saudável espaço para discussão em blogs. Mas também pode ser um instrumento perigoso quando usado pelas mãos de pessoas mal-intencionadas. Assim como acontece fora do ambiente digital, é possível cometer infrações legais das mais diversas a partir de comentários em blogs, como a prática de crimes contra a honra. E, se os devidos cuidados não forem tomados, a responsabilidade pela infração pode recair sobre quem bloga.
Pela Lei de Imprensa, a regra é a co-responsabilização entre dono do jornal e o autor do texto. Fazendo uma analogia com um comentário em blog (já que ainda não há uma lei específica no Brasil que respeite as particularidades dos espaços virtuais), seria o mesmo que responsabilizar solidariamente o autor do comentário e o dono do blog, mesmo que este muitas vezes não tenha controle algum sobre o que dizem seus visitantes na caixa de comentários. Por isso, os blogs com grande movimentação costumam adotar estratégias de restrição aos comentários, como moderação de mensagens, proibição de comentários anônimos e a exigência de cadastro prévio dos leitores. Outra estratégia, mais usada, consiste na colocação de uma espécie de disclaimer antes dos comentários no post, deixando explícito que a opinião emitida nos comentários é de quem comenta, e não tem necessariamente a ver com o que pensa o dono do blog. Mas, mesmo com todas essas precauções, ainda assim podem acontecer situações que geram responsabilidade civil ou penal.
Uma breve distinção
A responsabilidade civil se expressa em termos de indenização por danos morais ou materiais. Já a responsabilidade penal se traduz em pena de detenção ou multa. Quem for vítima de desrespeito à honra pela internet, pode processar alguém nas duas esferas. Os dois processos correm de forma independente. Entretanto, uma eventual condenação penal implica em maior possibilidade de responsabilização cível.
Para responsabilizar na esfera penal, é possível ter a possibilidade de se identificar o autor do comentário. Do contrário, estar-se-ia diante de um caso de responsabilização objetiva do dono do blog. Já para a condenação cível, não há pré-requisito. Basta se sentir lesado, ter vontade de movimentar o Judiciário e conseguir provar a existência de dano, seja ele moral ou material.
Os usuários de internet podem e devem se proteger contra ofensas à honra realizadas na blogosfera ou em qualquer outro ponto do ciberespaço. Há, inclusive, a possibilidade de responsabilização penal para esses casos.
Antes de falar dos crimes contra a honra em espécie – calúnia, injúria e difamação –, é útil fazer uma breve distinção sobre os tipos de honra. Para o mundo jurídico, a honra se divide em objetiva e subjetiva. Honra objetiva é quando a ofensa é dirigida à reputação do indivíduo, ou seja, à opinião que os outros têm sobre essa pessoa. Nesse caso, é imprescindível que outras pessoas fiquem sabendo que houve a ofensa (do contrário, não houve crime). Já honra subjetiva ocorre quando se ofende atributos pessoais que o indivíduo acredita possuir. Nesse caso, não é preciso que outro fique sabendo: basta que a vítima se sinta ofendida.
Calúnia e difamação
Em termos práticos, a calúnia e a difamação ofendem a honra objetiva – e na internet esses crimes podem ser praticados em blogs, comunidades do Orkut ou qualquer outro meio capaz de atingir outras pessoas. Já a injúria ocorre quando há ofensa à honra subjetiva. Nesse caso, até um xingamento por e-mail pode ser assim considerado. Mas nada impede que a injúria ocorra também em blogs, redes sociais ou em qualquer outro espaço virtual público.
Para provar que houve o crime contra a honra, basta um printscreen. Como a internet muda a todo momento, o ideal é que a página não tenha sido tirada do ar (isso facilita a identificação do autor, nos casos em que a ofensa seja anônima). Mas, na maior parte das vezes, os comentários ou posts ofensivos são tirados do ar em pouco tempo (até porque, pelo atual sistema jurídico brasileiro, o próprio blogueiro pode ser responsabilizado por comentários ofensivos de um visitante contra terceiros, principalmente quando é avisado do fato e não retira o comentário do ar em tempo hábil) e o único meio de provar será tendo tirado uma ‘foto’ da página quando a ofensa ainda estava por ali (ou quando a página ainda existia – deletar uma comunidade no Orkut ou um blog inteiro é uma operação extremamente simples, por exemplo).
A calúnia se configura quando alguém imputa a outrem um fato criminoso. É mais ou menos como dizer que uma pessoa furtou dinheiro de outra pessoa. O fato em si tem de ser criminoso. Já a difamação ocorre quando há a imputação de um fato não criminoso – algo como acusar o outro de ter relações extraconjugais (já que o adultério não é mais considerado crime no Direito brasileiro).
Existe responsabilização
Esses dois crimes ofendem a honra objetiva e costumam ocorrer em conjunto com o crime de injúria (que é ofender os atributos físicos, morais ou intelectuais de outro indivíduo). Uma injúria com calúnia, por exemplo, pode ocorrer quando um indivíduo chama o outro de ladrão e depois o acusa de ter roubado dinheiro de outra pessoa. Ter chamado de ladrão já configura injúria (mesmo que ninguém mais ouça o xingamento). E a acusação de roubo, se chegar ao conhecimento de mais alguém (do contrário, não fere reputação nenhuma), é um crime de calúnia.
Por fim, cabe ressaltar que os três crimes contra a honra funcionam mediante queixa. A ação penal é privada, e só começa se o próprio ofendido procurar a autoridade judiciária.
Na teoria, é tudo fácil e muito simples de se fazer. O problema é quando acontece o crime na prática. Há dificuldade na detecção, dificuldade na propositura da ação e, quando se aciona o Judiciário, a comprovação de que realmente houve o dano é praticamente impossível. Mesmo assim, não se deve deixar de agir. Manter as pessoas impunes só porque a ofensa à honra ocorreu na internet é perpetuar a idéia de que não há leis que regulam o ciberespaço. A internet não é um território sem leis onde todos os crimes são permitidos. Há a possibilidade de responsabilização, sim. Tanto na esfera cível quanto na penal.
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Estudante de Direito (UFPel) e Jornalismo (UCPel), Pelotas, RS