‘Homem mata a ex-namorada e a câmera filma’ (O Estado de S.Paulo, 10/3/2007)
‘Queimada por marido, mulher morre em São Paulo’ (Folha de S.Paulo, 11/3/2007)
Estes foram dois destaques femininos da imprensa na semana em que os jornais veiculavam anúncios de página inteira comemorando o Dia Internacional da Mulher, louvando as conquistas femininas nos últimos tempos.
A protagonista da primeira notícia tinha 23 anos, três filhos e estava em horário de almoço, frente ao local de trabalho. O agressor, de 56 anos, chegou, sacou o revólver e disparou quatro tiros. Dois foram suficientes para matar Suzane. O assassino, preso imediatamente, ‘não demonstrou arrependimento’, segundo depoimento de uma policial. O que causou sensação não foi o fato de mais uma mulher ter sido morta porque rejeitou um homem. O impacto foi porque a morte foi filmada pela câmera de segurança do prédio e divulgada na TV.
A segunda notícia, que se refere ao assassinato cometido dentro de casa – diante das duas filhas do casal – acabou virando apenas um registro policial, já que não há imagens a divulgar. As testemunhas provavelmente não tiveram condições de dar entrevista explicando por que seu pai – internado com queimaduras porque tentou apagar o fogo que ele mesmo provocou – fez o que fez.
E a imprensa, que parece só se interessar por fatos que a TV divulga, mais uma vez perde a chance de informar seus leitores, extraindo boas histórias de suas reduzidas notícias.
Sem muito trabalho nem extensas reuniões com a equipe, os pauteiros poderiam explorar essas notícias sob três enfoques.
Estatísticas preocupantes
O primeiro – e mais óbvio – seria o Dia Internacional da Mulher, discutindo se, afinal de contas, é verdade que as mulheres têm mesmo uma situação de maior igualdade com os homens. E, se é verdade, por que homens continuam matando mulheres quando são rejeitados, sentem ciúmes ou seja lá qual for o motivo alegado.
O segundo enfoque – mais trabalhoso – seria do ponto de vista da estatística, mostrando que a violência doméstica é a maior preocupação das brasileiras, como comprovou uma pesquisa do Ibope de 2006:
**
De 2004 a 2006 aumentou o nível de preocupação com a violência doméstica em todas as regiões do país, menos no Norte/Centro-Oeste, que já tem o patamar mais alto (62%). Nas regiões Sudeste e Sul o nível de preocupação cresceu, respectivamente, 7 e 6 pontos percentuais. Na periferia das grandes cidades esta taxa passou de 43%, em 2004, para 56%, em 2006.**
33% apontam a violência contra as mulheres dentro e fora de casa como o problema que mais preocupa a brasileira na atualidade.**
51% dos entrevistados declaram conhecer ao menos uma mulher que é ou foi agredida por seu companheiro.Jovem, bonita, de ‘boa família’
Mas se o Dia Internacional da Mulher não dá leitura e estatísticas acabam resultando em matérias chatas, os pauteiros teriam a terceira via, que deixaria qualquer bom repórter feliz com a tarefa: explorar os dramas contidos nessas histórias.
Na história de Suzane, repete-se o drama do homem mais velho que, rejeitado, mata a namorada. Mas, como os envolvidos não têm o apelo dos jornalistas Sandra Gomide e Pimenta Neves, os jornais não dão importância. O problema das meninas que se tornam mães ainda adolescentes e criam os filhos sozinhas não sensibiliza a imprensa. Nem mesmo quando acabam mortas bem na hora em que estavam tentando reconstruir a vida.
Se falta identificação dos leitores com a história de Suzane, não se pode dizer o mesmo do assassinato de Maria Cristina Pires. Moradora de um bairro de classe média de São Paulo, casada com um advogado, Maria Cristina tinha 40 anos e era designer de bijuterias. Mas, se depender da mídia, dificilmente saberemos por que o marido jogou álcool e queimou a mulher na frente das filhas.
Se depender da mídia, o mais provável é que as histórias em que mulheres são vítimas da violência doméstica continuarão merecendo apenas pequenos registros, por mais ricas que sejam.
A mídia prefere – por sensacionalismo ou falta de sensibilidade – histórias como a da adolescente de Campinas que usava o carro do pai para ajudar o namorado a praticar assaltos. Com o mesmo perfil de Suzane Richthofen, a adolescente de Campinas tem tudo para se tornar a nova sensação das páginas policiais da imprensa. Afinal, ela é jovem, bonita, ‘bem-vestida’, segundo o depoimento de uma de suas vítimas. E vem de ‘boa família’. Ao contrário das outras mulheres do noticiário policial, não exige – para que a mídia continue faturando com sua história – que se discuta por que as mulheres continuam sendo vítimas dos homens.
******
Jornalista