Antes mesmo de tomar posse, a diretoria eleita do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio, presidida por Paula Máiran, emite sinais que são motivo de preocupação para toda a categoria.
A eleição sindical aconteceu em meio às grandes manifestações de rua que já fazem parte da história do nosso país. De um lado, esses protestos servem para alertar governos, políticos e outras instituições sobre a urgente necessidade de reformas eternamente adiadas por décadas; de outro, permitiram que os novos diretores do Sindicato revelassem o preconceito contra os jornalistas que vão representar e, ao mesmo tempo, uma assustadora tolerância com as agressões que os profissionais da imprensa vêm sofrendo há dois meses por parte de pequenos grupos descolados da grande massa de manifestantes.
Na segunda-feira (12/8), esses grupos voltaram a atacar. Expulsaram e intimidaram equipes de jornalistas que cobriam os protestos em frente ao Palácio Guanabara, em Laranjeiras, e agrediram com um soco nas costas um repórter cinematográfico da TV Bandeirantes.
Diante disso a direção do Sindicato dos Jornalistas, em exercício até 26 de agosto (quando assume a nova diretoria), emitiu uma nota de repúdio – na verdade a terceira, desde junho, quando começaram essas agressões (leia aqui).
Grupos minoritários
A nota, bem recebida nas redações e compartilhada nas redes sociais, foi mal recebida pela diretoria eleita, que imediatamente preparou uma outra nota e a distribuiu à imprensa (leia aqui).O texto anda na corda bamba em busca de um equilíbrio impossível. Morde e assopra o tempo todo. É um repúdio pela metade, de quem, no fundo, vê naquelas ações violentas pequenos excessos de “bolsões radicais, porém sinceros”, como disse um certo general, durante a ditadura militar. Um trecho da nota:
“(…) não podemos admitir que, no afã de defender a nossa categoria, caiamos na armadilha de criminalizar os movimentos de protesto organizados por diferentes setores da população.”
Ora, criminalizar que movimentos sociais? A nota da direção em exercício é extremamente clara. Diz que o grupo de agressores é pequeno; que age no estilo de milícias fascistas; e que com suas ações violentas “acaba afastando dos protestos – legítimos, é importante dizer – boa parte da população que teme esse comportamento e não concorda com ele”.
Alguns integrantes da nova diretoria não gostaram do termo “fascista” para qualificar a ação dos agressores. Mas como qualificar aqueles que incendeiam carros de reportagem, que expulsam, agridem, impedem jornalistas de trabalhar? Que destroem sinalização de trânsito, que queimam lixeiras e espalham montes de lixo por onde passam?
Da mesma forma que condenou as ações desses grupos, a diretoria em exercício repudiou a violência da Polícia Militar no dia da grande manifestação nacional de 13 de junho (leia aqui). Na verdade, o que está em jogo é a concepção política sectária e ultrapassada da nova diretoria.
Para entender isso, vale a pena ouvir a entrevista que Paula Máiran, a nova presidente do sindicato, deu ao programa Faixa Livre, da rádio Bandeirantes AM, no dia 24 de julho, poucos dias após ser eleita (ouça aqui). Em boa parte da entrevista, realizada no calor das manifestações, Paula deixou clara a mesma tolerância e compreensão quanto aos agressores de jornalistas. Passou também uma visão preconceituosa contra os profissionais que trabalham nas redações.
Vejamos, por exemplo, como a nova presidente do Sindicato explica a origem das agressões que os profissionais da imprensa vêm sofrendo há pelo menos dois meses:
“(…) O jornalista há mais de 20, 30 anos era reconhecido como um agente defensor dos direitos da população, da Constituição, da democracia, e agora a população não reconhece mais o jornalista como esse defensor e o confunde apenas como um agente do seu patrão, um mero reprodutor da lógica do veículo onde trabalha. E esse é um dos motivos mais claros que levam hoje o jornalista a sofrer agressões e ser expulso por exemplo das manifestações que têm ocorrido.”
O tempo todo Paula Máiran fala em “população”, quando as agressões aos profissionais de imprensa, o incêndio de carros de reportagem e a destruição do patrimônio público têm partido sempre de grupos minoritários, que na verdade assustam e afastam a população de um movimento importante e legítimo.
Ainda é tempo
Em outro trecho da entrevista, Paula refere-se aos jornalistas da TV Globo de uma forma incompatível com o cargo de presidente do Sindicato dos Jornalistas. E que exprime o seu pensamento a respeito dos profissionais que trabalham nas grandes empresas jornalísticas, de um modo geral. Mais uma vez, ela insiste em atribuir à “população” a inaceitável ação dos pequenos grupos de agressores.
“O jornalista da TV Globo é confundido com a família Marinho, com a empresa onde trabalha. A população, os movimentos sociais organizados hoje têm um nível de consciência maior do que é esse problema da manipulação da informação, da notícia, da concentração da mídia porque há um debate muito capilarizado na nossa sociedade sobre a necessidade da luta pela democratização da comunicação. (…) Nessa conjuntura o jornalista da TV Globo que vai trabalhar e tentar fazer o seu trabalho, que é um dever profissional não com o patrão mas com a sociedade, não consegue fazer esse trabalho porque é confundido e é expulso, e é compreensível essa visão de que o manifestante não acredita naquilo que vai ser produzido por aquela equipe e que vai ao ar.”
Na sequência, a nova presidente do Sindicato dos Jornalistas finalmente diz o que, na sua opinião, “a população” deve fazer, sempre de forma dúbia:
“Mas eu defendo que haja uma mudança de ótica da população e dos movimentos sociais porque, pelo contrário, esses movimentos e a população têm que fortalecer esse jornalista, fortalecer o seu direito ao trabalho, seu dever de exercer o seu trabalho com ética e fazer pressão contra quem de direito, que são os patrões, as empresas.”
Em nenhum momento, nos 35 minutos da entrevista, Paula Máiran faz uma condenação explícita aos grupos que tentam calar a imprensa na marra.
Algumas lutas que estão sendo travadas pelos jornalistas são também de grande interesse da sociedade. Como, por exemplo, a necessidade de se democratizar a mídia, hoje concentrada nas mãos de cinco ou seis famílias.
Resta torcer para que a nova direção do Sindicato não caia na armadilha que está preparando para si mesma e que trará graves prejuízos a essas demandas e também a outras, de interesse específico dos jornalistas. Ainda é tempo de desarmar a arapuca de se tentar criminalizar os jornalistas pelas agressões que eles vêm sofrendo.
******
Rogério Marques é jornalista, diretor em exercício do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro