Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Crise humanitária e esquecimento da mídia

O que os Estados Unidos, a Somália, o Quênia, a Tanzânia e Uganda têm em comum? Todos eles foram países colonizados pela Inglaterra. Os Estados Unidos, no século 16. Somália, Quênia, Tanzânia e Uganda, dos fins do século 17 até o século 20. Como é sabido, a colônia do norte da América conseguiu se fortalecer e se tornar a maior potência mundial. Já as colônias do continente africano não seguiram o mesmo rumo.

Hoje, enquanto a maior potência mundial se desestabiliza com a perda de um dos seus As, o antigo grande colonizador, a Inglaterra, segue tendo que lidar com a onda de violência que toma o país. A mídia segue acompanhando com certo espanto estas crises vistas, até pouco tempo, como situações impossíveis. Até o fim da semana passada, a cobertura das editorias internacionais – principalmente na mídia televisiva – deu total visibilidade às reuniões e decisões da Casa Branca. A cobertura da crise nos Estados Unidos só foi ofuscada pelos acontecimentos da Inglaterra em chamas que, às vésperas dos Jogos Olímpicos, tenta deter a onda de vandalismo que se espalha pelo país.

A desordem no mundo desenvolvido eclipsou a maior epidemia de fome dos últimos 20 anos no continente africano. Só na Somália, há 2,8 milhões de desnutridos, sendo que 1,25 milhão são crianças. Segundo a ONU, cerca de 800 mil pessoas fugiram para o Quênia (423 mil), o Iêmen (188 mil) e a Etiópia (140 mil), além de Djibuti, Egito, Eritreia, Tanzânia e Uganda. No total, são quase 3,7 milhões de pessoas precisando de ajuda humanitária na Somália e 12,4 milhões em toda a região afetada pela epidemia de fome. Legiões de somalis deixam o sul do país a pé, fugindo da seca, em busca de acampamentos.

Fenômeno extraordinário

As atenções só se voltaram para o Chifre da África com mais força quando um grupo de artistas se juntou na última terça-feira (9/8) – seis dias após a ONU ter oficializado a epidemia de fome na Somália e em mais duas regiões no Chifre da África – para divulgar em suas redes sociais uma campanha que tenta arrecadar fundos para tentar amenizar a epidemia de fome.

Mas por que somente agora, com o auxílio de artistas como Lady Gaga, U2, Paul McCartney, Rolling Stones, Madonna e Justin Bieber, a mídia se interessou pela epidemia de fome? Muito simples: porque a fome na África nunca foi novidade, nunca foi um fenômeno extraordinário. Notícia extraordinária seria o fim desse mal que assola o continente há anos. Mas se a grande mídia está esperando isso acontecer para colocar o Chifre da África em pauta, essa região ainda vai passar anos eclipsada pelas crises na parte desenvolvida do globo.

***

[Carolina Diniz é jornalista e mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba]