Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Da arte do spin

No jargão político americano há um termo que define bem o imbróglio Maria Rita Kehl/O Estado de S.Paulo: spin. Ou seja, causar agitação sobre um tema, turbinar uma discussão. É o que a rede lulista está fazendo, aproveitando o caso para descer o pau mais uma vez na imprensa golpista dirigida por loiros de olhos azuis. Afinal, ainda estamos no segundo turno e a candidatura governista piscou.


Primeiro spin: ‘alguém’ deixou vazar na internet que ela estava renegociando o tom de sua coluna com o Estadão, que queria limitá-la a temas de psicanálise. A informação chega à rede dando conta de que ela estaria sendo censurada pelo jornal e possivelmente demitida. Demitida? Uma colaboradora eventual que publica duas matérias por mês? A expressão é muito forte. Spin.


Censura? Mas a coluna foi publicada e ainda hoje está no site do jornal na internet. Spin. A replicação, porém, foi imediata e agressiva em toda a rede de ‘blogs progressistas’, financiados, direta ou indiretamente, pelo dinheiro do contribuinte (o seu). Spin. Aí ficou maus, né? E o Estadão resolveu limá-la.


Isso é um caso de falta de liberdade de expressão? Acho que não. Se você escrevesse um artigo elogiando as privatizações do Fernando Henrique Cardoso e o oferecesse à CartaCapital, certamente seria rejeitado. Se você enviasse um artigo descendo o pau em Che Guevara à Caros Amigos, ele seria publicado? Censura? Não: critério editorial.


Matérias indignadas


Falta de liberdade de expressão é institucional. É quando o Estado, seja pelo Judiciário, Executivo etc tolhe os meios de a sociedade se manifestar. As empresas privadas que fazem jornalismo devem ter liberdade para divulgar essa ou aquela informação, de acordo com seus critérios. Misturar as bolas, como está sendo feito, demonstra baixa elaboração política – ou má-fé em tempos de eleição renhida.


O Estadão, de seu lado, administrou o caso com muita inabilidade. Alegar que a colunista ‘cumpriu seu ciclo’ é tão verossímil quanto uma prece proferida por Dilma Rousseff ou José Serra. Bastava relatar o que ocorreu: quebra de confiança durante uma negociação particular. É claro que um veículo de imprensa ideal deveria admitir opiniões conflitantes sem problemas. O New York Times, por exemplo, sempre publicou William Safire ao lado de Maureen Dowd e nem por isso o mundo acabou. Mas não é sua obrigação, nem ameaça à liberdade de expressão.


O Estadão tem uma dificuldade ancestral de abrigar opiniões contrárias à da Casa. Tentou em alguns períodos, mas sempre retrocedeu. É como exigir que Ricky Martin namore Shakira. Desista. Está além das forças dele.


Vamos criticar a imprensa, companheiros, mas pelos motivos certos.


E o spin continua: a ‘censura’ à colunista já rendeu matérias indignadas na maioria dos sites, um protesto formal do Conselho Regional de Psicologia (!), um abaixo-assinado pedindo sua reintegração ao Estadão (!!), um programa inteirinho do Observatório da Imprensa (12/10) na televisão e uma campanha para que votem pela internet no livro dela para o Prêmio Jabuti. Pelo cheiro da brilhantina, em poucos dias será eleita madrinha da bateria da Vai-Vai. Spin!

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Jornalista