O ‘deputado do Castelo’ move ação indenizatória contra o Diário do Comércio, ‘indignado’ pela divulgação de notícias ‘desabonadoras’ no jornal e na web. Não ficou indignado quando, quase chegando a presidente da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, ensinou aos jovens que ‘seria difícil julgar os próprios amigos’. Nenhuma indignação teve ao destinar verbas de representação parlamentar à própria empresa de segurança, como um médico ou advogado que prestasse consultas a si mesmo. Edmar Moreira pede ressarcimento por danos morais!
Faz pensar sobre seu conceito de moral. Ficou ofendido porque o Diário do Comércio divulgou o que todos disseram: que sequer declarou ao imposto de renda o castelo medieval plantado no meio da mata mineira em meio aos pequenos agricultores vivendo da própria subsistência. Ah, sim, na ação judicial o deputado se revolta contra a ‘inverdade’ de que o castelo esteja em seu nome. E num rasgo teatral de comédia esclarece que a propriedade está em nome de seus filhos! Um deles que ao final do julgamento na Comissão de Ética ainda destratou o relator Nazareno Fonteles, chamando-o de ‘veado’. Filho de tigre já sai malhado.
Indignação aliás não teve pela suposta apropriação indébita de contribuições sociais do INSS de seus empregados, fato sob investigação no Supremo Tribunal Federal. Fosse ele cidadão comum, homem do povo, e por certo a Receita Federal – que não se deixa conduzir por injunções políticas – investigaria como reuniu cabedal para construir o castelo de 25 milhões. Perdão se ainda não conseguimos separar o joio do trigo, pai dos filhos! Embora a lógica continue a mesma: os auditores bem poderiam investigar a alternativa de como os rebentos conseguiram amealhar capital para a construção da fulgurante Las Vegas de Nepomuceno.
Assunto político
Mas o castelo é apenas o símbolo ou emblema visível da corrupção. A questão que se coloca é o novo modo de afrontar a liberdade de imprensa. Outros políticos já moveram ação indenizatória contra o DC. Não será este exercício de ações indenizatórias o renascimento da censura? Uma nova censura medida em pecúnia e transformada em medo de criticar. Pode haver liberdade de imprensa domesticada, ‘desde que’, exercida sob constante espada de Dâmocles da banalização do dano moral? Ninguém defende o abuso da liberdade. Ensinava um mestre que ‘liberdade não é o direito de gritar fogo num cinema lotado’. Como então compor o direito social à liberdade de imprensa com o direito de qualquer cidadão recorrer ao Poder Judiciário. A futura decisão judicial por certo escolherá entre dois direitos, até porque ‘se todos temos direitos humanos, há necessidade de uma regra superior para harmoniza-los’ (Villey).
O critério de orientação será optar pelo maior valor a proteger: o individual de quem se declara ofendido, embora o castelo continue física e acintosamente de pé, ou o social que requer, assim como ar aos pulmões, uma imprensa livre e sem medo. Direitos há, de nível superior, que os juristas chamam de cláusulas pétreas, ou seja, pedras jamais movidas de lugar. A liberdade de imprensa é um desses valores na fronteira do absoluto. Daí a reflexão: podem os parlamentares enquanto figuras públicas que se sujeitam a nos representar, mover ação indenizatória contra os representados, contra a sociedade a qual os jornais prestam contas? Nesse ponto Lula tinha razão sobre Sarney: os parlamentares não são cidadãos comuns.
Mas já não têm imunidade parlamentar para não serem investigados? Questionamos o grau seguinte: terão legitimidade para censurar quem os vigia? O deputado do castelo quer sinalizar a famosa carteirada: ‘O senhor sabe com quem está falando’? Ou na melhor hipótese avisa: ‘Cuidado comigo da próxima vez!’ Essas ameaças fazem efeito quando há servidão ou quando todos têm o rabo preso. Para o jornalismo a ameça faz tão somente aumentar a disposição e a vigilância. Por isso reiteramos o que o deputado do castelo não quer ouvir ou não percebeu: dano moral sofreu sim o Brasil!
Em suma, parlamentares não têm interesse e legitimidade para ingressar com ações indenizatórias contra jornais. São eleitos para nos representarem e como tal estão sujeitos a serem vigiados. Faz parte do ônus. As críticas do Diário do Comércio foram políticas. O DC e a imprensa não ingressaram em assuntos privados do ser humano Edmar Moreira. Tudo que contra ele foi levantado e até provado, embora os amigos o tenham livrado da cassação do mandato, é assunto político, de interesse da sociedade dos representados que não quer uma imprensa dócil ou manipulada.
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Respectivamente, diretor de Redação do Diário do Comércio e superintendente jurídico da Associação Comercial de São Paulo