Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dantas, Nahas e a Justiça

O poder Judiciário segue colecionando registros negativos na imprensa brasileira. Mesmo em recesso, e ainda antes de voltarem ao debate as últimas decisões liminares que procuram limitar o controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, o noticiário mantém no horizonte do leitor de jornais e revistas uma imagem recorrentemente deletéria da magistratura.

No fim de semana, os jornais informaram que um juiz federal de São Paulo mandou devolver as 27 fazendas com 450 mil cabeças de gado do banqueiro Daniel Dantas, parte do patrimônio que havia sido arrestado por ordem judicial no âmbito da Operação Satiagraha. Na segunda-feira (23/1), os jornais trazem informações e imagens fortes da operação policial de desocupação de um imóvel que pertence à massa falida de uma empresa do especulador Naji Nahas.

Em ambas iniciativas, os autores das duas decisões judiciais devem estar plenos de razões e carregados de ótimas intenções – mas não há como desfazer a impressão generalizada de que a Justiça se move mais rapidamente em benefício de cidadãos privilegiados do que em favor de cidadãos comuns, e de que parece mais eficiente quando trata de interesses privados do que das demandas sociais ou necessidades do Estado.

Imagem negativa

As 27 fazendas de Dantas haviam sido sequestradas em julho de 2009 sob a suspeita de que podem ter sido adquiridas com o resultado de crimes de evasão de divisas, como parte de processos de lavagem de dinheiro.

No caso da reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), a ação policial envolvendo helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil policiais do Batalhão de Choque cumpriu liminar de um juiz federal substituto que atropelou um processo de negociações envolvendo até mesmo o Ministério da Justiça.

Em meio às controvérsias sobre controle externo do Judiciário, que correm no rastro de denúncias sobre vendas de sentenças e decisões administrativas privilegiando desembargadores em detrimento de seus pares, essas ações de grande repercussão contribuem para a consolidação de uma imagem extremamente negativa do Judiciário.

Aceitando-se que um juiz não deve levar em conta a popularidade de suas decisões, mas apenas sua correção diante da lei, ainda assim há muito a se considerar em relação aos dois atos noticiados pela imprensa.

As dores do parto

No primeiro deles, o que se consolida na compreensão do leitor é que uma decisão do Supremo Tribunal Federal desautorizando e considerando ilegais os resultados de uma complexa investigação policial tem sua culminância não apenas na protelação ao infinito do julgamento do acusado, como obriga um juiz a devolver a ele o patrimônio considerado suspeito.

No segundo caso, a reintegração de posse de uma área destinada a garantir os direitos de credores de Naji Nahas é apressada num fim de semana, enquanto autoridades de variados escalões discutem uma solução socialmente menos traumática.

Registre-se que os dois magistrados em questão não podem ser acusados de distorcer a lei em suas decisões. Mas não se pode fugir ao fato de que, numa sociedade desigual como a nossa, a interpretação da lei e a urgência das decisões judiciais devem levar em conta bem mais do que suas tecnicalidades.

No caso Pinheirinho, por que a pressa em devolver as terras que vão aliviar a vida de um especulador diante de seus credores? – questionaria o leitor.

O magistrado poderia argumentar com a maturidade do processo, com as condições objetivas para a execução da ação, mas nunca escaparia das perguntas relativas ao ato de lançar na rua, numa madrugada de domingo, sob chuva, cerca de 6 mil pessoas que aguardavam a definição de um abrigo provisório para deixar o local.

Não há como escapar de reflexões sobre o caso paralelo da antecipação de pagamentos de centenas de milhares de reais a desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo enquanto milhares de servidores esperam décadas para receber seus direitos. Também não há como desvincular esse noticiário da questão central que colocou o Judiciário na berlinda, desde o fim do ano passado.

Na edição que circula nesta semana, a revista Época revela o conteúdo de gravações até então inéditas, feitas pela Polícia Federal, que denunciam a venda de sentenças por parte de um juiz federal e dois desembargadores. A sequência da reportagem mostra alguns casos de abusos que justificam o clamor por maior transparência e pelo controle externo do Judiciário.

A edição de segunda-feira (23/1) do Estado de S.Paulo dá destaque para reportagem mostrando que a “toga amotinada” quer agora atacar os instrumentos usados pelo governo para investigar crimes financeiros.

Vistos assim, em conjunto, esses fatos revelam o embate entre o Brasil contemporâneo e a última das oligarquias do Império. Ainda estamos assistindo o parto da República.