Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De palanque eletrônico a serviço público

Vistos inicialmente como mais um exemplo do mau uso de recursos públicos com o simples objetivo de alavancar os projetos político-eleitorais dos parlamentares, os veículos de comunicação de massa mantidos pelas casas legislativas passaram a ser vistos com olhos menos preconceituosos por operadores da mídia comercial e por acadêmicos da área.

Foi o que revelou o seminário ‘Qual o papel dos meios de comunicação do Senado Federal?’, promovido pela Secretaria de Comunicação Social da casa. O evento, realizado em Brasília no dia 22 de março último, buscava levantar subsídios para o planejamento estratégico do setor. Os palestrantes – jornalistas especializados na cobertura política e educadores – puderam debater com jornalistas legislativos e relações públicas do Senado a evolução do sistema de comunicação da instituição, desde o começo da implantação da chamada mídia legislativa. O presidente José Sarney assistiu às palestras.

Armando Rollemberg, jornalista da casa, lembrou a campanha ferrenha capitaneada por alguns órgãos de imprensa contra a implantação dos veículos, há cerca de quinze anos. Além de produzirem matérias sugerindo o casuísmo da iniciativa dos parlamentares, houve fortes pressões internas nas redações. Segundo Rollemberg, o Estadão chegou a demitir alguns dos seus profissionais que, simplesmente, pretendiam fazer o concurso público para jornalistas do Senado, em 1989.

Parlamentares são pautas ou patrões?

Mas, pelos depoimentos de alguns dos seus representantes, o entendimento da mídia comercial mudou bastante. Mesmo aparentando não conhecer a fundo o trabalho feito pelos colegas da casa, Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S.Paulo, manifestou a sua surpresa positiva com os números da Agência Senado Notícias: 19,2 milhões de acessos em 2009 e publicação de uma média diária de 80 reportagens. Sílvia Faria, editora da Rede Globo/Brasília, concordou com a companheira de mesa, ao ressaltar a confiabilidade do material produzido atualmente pelos profissionais do Senado e a importância do seu papel de prestação de serviço ao público.

Alon Feuerwerker, colunista do Correio Braziliense, reconheceu que, quando deseja saber o que está acontecendo no Congresso, recorre aos seus veículos de comunicação, e que a vida dos jornalistas políticos em geral ficou muito mais fácil, com o trabalho dos colegas do parlamento. O problema para o futuro seria definir se o papel da mídia legislativa era fazer a divulgação para a sociedade dos fatos no âmbito legislativo ou fornecer material jornalístico para a mídia geral.

Por outro lado, Gustavo Krieger, afirmou que não se tratava de assessoria, mas de construção de um diálogo direto com a população. O repórter do Correio Braziliense avaliou que há uma confusão natural quanto ao posicionamento hierárquico da mídia legislativa: os parlamentares são assunto ou chefes dos jornalistas? São pautas ou patrões? Krieger também recomendou uma definição clara entre os espaços da divulgação jornalística da atividade político-parlamentar e da assessoria de imprensa da instituição parlamento.

Profissionais de alma lavada

Na parte dos representantes do mundo acadêmico, houve um consenso de que o sinal da TV Senado deveria ser aberto a todos e não só aos que podem pagar assinatura de televisão. Por causa da realidade atual, a professora Mariângela Furlan, da USP, classificou de elite o público da emissora, uma vez que ela atinge uma parcela pequena e privilegiada da população brasileira. O professor Murilo Ramos, da UnB, lembrou que apenas 7,5 milhões de lares têm acesso à televisão por assinatura no Brasil.

Manoel Fernandes, especialista em redes sociais, afirmou que 50 milhões de brasileiros acessam a internet, a maioria em lan houses. O diretor da escola de Comunicação do Comunique-se, Cássio Politi, sugeriu a medição o desempenho de cada um dos veículos, de acordo com os objetivos almejados, como se faz no mercado.

Ao responder sobre o reconhecimento da mídia legislativa como veículos de comunicação de massa a serviço da sociedade e não apenas ferramentas poderosas nas mãos dos parlamentares, Murilo Ramos previu que este deve ser, em geral, o caráter da mídia do campo público, com uma programação generalista que atinja, com qualidade, a população como um todo. Porém, decretou o fim do conceito de massa em relação à mídia privada, devido ao apelo comercial da interatividade proporcionada pela convergência tecnológica da era digital.

Além de levantar contribuições importantes para o planejamento do setor de comunicação social do Senado, o seminário serviu para constatar a afirmação da importância da mídia legislativa entre os colegas da mídia privada e acadêmicos. Como efeito colateral, muitos profissionais, que durante mais de quinze anos foram tratados como jornalistas de segunda categoria ou meros tentáculos dos parlamentares na luta por espaço na imprensa geral, saíram de alma lavada.

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Jornalista, mestre em Comunicação Social pela UnB e especialista em Direito Legislativo pela Unilegis/UFMS