Suponha que você perdeu sua carteira contendo uma nota de R$ 100,00 e um bilhete de loteria. Nos dias seguintes, o bilhete é premiado com R$ 5.000,00. A pessoa que achou a carteira embolsa o prêmio e, portanto, ganha R$ 5.100,00, enquanto você só perde R$ 100,00 mais o valor da nova carteira que terá de comprar. Você jamais poderá alegar que teve um prejuízo de R$ 5.100,00 porque o prêmio ainda não existia. Você só deixou de ganhar, teve o azar de perder o bilhete, isto é, uma possibilidade.
Freqüentemente, deparamos com essa confusão entre o prejuízo e uma expectativa de ganho. Ela é comum em análises econômicas apressadas e muitas vezes é proposital, principalmente em textos jornalísticos que buscam acentuar determinada tendência ou dramatizar uma situação.
Por exemplo, diz a manchete de um jornal: ‘MEC perdeu R$ 72 bilhões em 12 anos por causa da DRU’
Aprendemos, no texto, que esse DRU não é um ralo no cofre do Ministério por onde escorre o dinheiro guardado, e sim um mecanismo chamado Desvinculação das Receitas da União, pelo qual o governo pode destinar como quiser até 20% da receita arrecadada. A Constituição manda que 18% da arrecadação com impostos federais seja destinada à educação, mas o governo primeiro desconta esses 20% da DRU do total arrecadado para depois calcular os 18% a repassar ao setor da educação. Na prática, isto reduz o repasse a 13% do bolo total.
Continua em circulação
A manchete induz a pensar que o MEC teve um prejuízo de bilhões, quando na verdade deixou de receber esse valor e teve de operar com verba menor.
Outra manchete recente diz:
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‘País perdeu R$ 3 bi com crise aérea’A matéria se baseia em pesquisa encomendada pelo jornal. Ela soma a estimativa do quanto as empresas aéreas, a rede hoteleira, as empresas de turismo, os restaurantes e outros negócios deixaram de faturar com a crise.
Vários setores da economia, assim como as secretarias da Receita federal, estadual e municipal, tiveram uma receita menor do que a esperada no período. Entretanto, essa perda de receita não pode ser entendida como prejuízo. O país não perdeu 3 bilhões com a crise aérea – no máximo esse dinheiro deixou de ser embolsado pelas empresas que o esperavam, mas continua em circulação. Se você tem uma loja no aeroporto de Congonhas, não poderá colocar no seu balanço nem esperar que o fisco aceite a dedução de um valor que você avalie como sendo a sua perda, o seu prejuízo.
Emprego de porcentagens
Prejuízo é a perda daquilo que existe: você perde uma boiada por causa da febre aftosa, perde uma casa num incêndio, perde quando gasta mais do que ganha. Também acontece o prejuízo quando um ativo – por exemplo, uma carteira de ações – perde valor de mercado. Perder o trem, uma licitação, um amigo ou um capítulo da novela pode causar dissabor, mas não é prejuízo. Deixar de ganhar, deixar de aproveitar oportunidades não significa perda, nesse sentido de prejuízo.
Para não sermos induzidos a erro, é importante ter sempre em mente a diferença entre perder e deixar de ganhar quando examinamos gráficos comparativos e interpretações de pesquisas. Na mídia, essa confusão só perde o campeonato para o emprego de porcentagens. Tal coisa cresceu (ou diminuiu) x %, lemos e ouvimos com freqüência, sem ficar sabendo a que todo se refere essa parcela.
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Comunicólogo, São Paulo, SP