O ministro das Comunicações, ex-funcionário da Rede Globo e pré-candidato ao
governo de Minas Gerais, durante inauguração do sistema digital da Rede
Integração, afiliada de sua ex-patroa, teve sua fala registrada (16/3/2009).
‘A democratização da comunicação sempre existiu no governo do presidente
Lula. Não precisa de uma Conferência Nacional de Comunicação para fazer a
democratização de nada. Tudo está sendo democratizado! O país está sendo
democratizado! As comunicações estão sendo democratizadas!’ (Hélio
Costa)
Certamente, foi uma ducha fria e uma crítica velada ao discurso do presidente
durante o Fórum Social Mundial, em 30/1/2009, bem como à previsão de que o
decreto convocando a Conferência Nacional de Comunicação (CNC) sairá ainda este
mês.
‘O objetivo é que o país debata as questões de comunicação de forma plural’
(Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação Social, ex-Rede Globo).
‘O presidente da Abert (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), Daniel
Pimentel Slaviero, também defende que a conferência seja ampla (…)’. ‘O foco
do evento – informa a Folha – estará voltado para as novas mídias, como
internet, TV a cabo e celular. O governo está definindo os detalhes do decreto
que irá convocar a conferência, prevista para dezembro.’
Caráter amplo e democrático
Estas manifestações constam na Folha de S.Paulo de 17/03, caderno
‘Brasil’, sob o título ‘União prevê
R$ 8,2 mi para debater comunicação‘. Convém atentar para o fato de que nem o
representante do Executivo federal nem o das empresas disse que ela será
democrática. E mesmo que dissessem, não seria confiável, mas já seria um bom
sinal… É conveniente colocarmos as barbas de molho. O que faremos se a
representação não nos for conveniente, por não reproduzir o princípio
democrático que estabelecemos para esta conferência?
Mas há quem defenda que ‘ampla’ e ‘plural’ significam democrática. Em meu
conceito, significa que terá representantes de todos os setores envolvidos com o
tema, mas não define se a proporção deles estará compatível com seu número na
sociedade. Por exemplo, podem ser 16,67% de empresários e ter todos os demais
setores da sociedade. Mas 16,67% é uma representação compatível com o número de
empresários da mídia na população?
‘Quanto às características e propósitos da CNC:
Que a Conferência terá caráter amplo e democrático, abrangendo representações
do Poder Executivo, do Poder Legislativo, da sociedade civil e dos empresários’
[ver
aqui].
Empresários em geral ou microempresários?
Considerando o texto acima, divulgado pela Comissão Nacional Pró-Conferência,
formada com intensa participação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara Federal e de uma parte dos movimentos sociais, ela deveria ser
democrática.
‘Seguindo as resoluções da reunião do dia 06/02, no documento que
apresentamos ao Executivo Federal como proposta da CPC Nacional, para um
universo de 30 pessoas compondo a Comissão Organizadora’ (mensagem da Comissão
Nacional).
SETOR | PERC. | QUANT. |
Poder público (Executivo, Legislativo e Judiciário) | 30,00 % | 9 |
Ministério Público | 03,33 % | 1 |
Empresários | 16,67 % | 5 |
Mídia Público-Estatal (*) | 06,67 % | 2 |
Sociedade (movimentos sociais, entidades da área, academia) | 43, 33 % | 13 |
TOTAL | 100,00 % | 30 |
(*) Acrescentei ao original o termo estatal após Mídia Pública, considerando
que a verba é pública mas a gestão é estatal, ao contrário da Mídia Pública não
Estatal, onde, teoricamente, pelo menos, predominaria a gestão por parte da
comunidade, ou seja, verba pública e gestão também pública. Isto porque o Estado
brasileiro não é público, nem República, mas privatizado pelos mais abastados,
tornando uma Reparticular. Mais detalhes em ‘A
coisa pública e a coisa estatal‘.
Será que os empresários da comunicação representam 16,67 % da população? Ou
este dado se refere aos empresários de uma forma geral, os quais poderiam
anunciar nos meios de comunicação? Ou incluiria também microempresários, como os
que têm um boteco copo sujo na favela?
A ditadura do poder econômico
Numa estimativa simples, se umas 10 famílias dominam praticamente todo o
setor comercial da mídia e consideramos que cada uma delas tivesse 20 membros,
teríamos 200 pessoas, representando 0,000001% da população. Mas há um bom número
de pequenos jornais e emissoras de rádios sob gestão privada espalhados pelo
país que poderia engrossar este número. Segundo o sítio Os Donos da Mídia, somam apenas 19.466. Mas este valor é apenas
0,0001% da população, ainda muito distante dos benevolentes 16,67% propostos
acima.
Conforme dados enviados pelo professor Ricardo Bergamini [ver aqui], a quem agradeço efusivamente,
em 2006 o total de empresas formais ativas no país era de 5.140.951 [ver
aqui].
Não disponho do número de sócios delas para saber quantos seriam seus
proprietários. Para que sejam 16,67% da população, o número dos empresários em
geral teria de ser 33.340.000, dando uma média de seis sócios por empresa. Se me
lembro bem dos tempos de Sebrae, 90% delas são compostas por micro-empresas e
geralmente só têm um dono, sugerindo que este dado carece de melhor análise.
Qual teria sido o critério para cálculo deste percentual?
Talvez tenha havido intenção dos membros da Comissão Nacional em fazer uma
média com a ditadura do poder econômico (plutocracia, cleptocracia e
corporocracia) à qual estamos submetidos, desta feita, em sua versão civil, mas
sempre em prejuízo de uma democracia de verdade.
A fraqueza dos movimentos sociais
Por outro lado, cabe ao leitor considerar até que ponto nossos governantes,
eleitos através de financiamento de sua campanha pelos ricos, representam estes
tais. E até que ponto os representantes do Executivo e Legislativo na Comissão
Organizadora podem ser computados como legítimos representantes dos
empresários.
Por outro lado, com um judiciário conservador, cujo presidente do Supremo
Tribunal Federal é aliado e defensor de criminosos, como Daniel Dantas, convém
atribuir boa parte deste poder também como cooptado pelos privilegiados
economicamente. Uma caixa-preta, como defende Lula. Um balcão de negócios, onde
o pobre não tem como comprar sentença, adiamento e outros expedientes que
privilegiam geralmente os mais aquinhoados. Assim, os 16,67% dos empresários
podem pular até para um percentual bem mais elevado dos membros da Comissão
Organizadora.
Mas talvez este raciocínio seja uma mera firula! Porque se esta conferência
não tiver caráter deliberativo, a classe trabalhadora pode até ter 100% de seus
membros e sugerir mundos e fundos sem que nada seja realizado de fato, por falta
de poder sustentado pela pressão popular, a única força capaz de obrigar o
governo e seus patrões a cederem. Este é o tal do caráter consultivo. Apenas um
teatro para realizar a catarse emocional dos oprimidos e acalmá-los
momentaneamente. Mas já seria um avanço, considerando que pode fazer alguma
pressão sobre os governantes, ainda que extremamente fraca, como ocorreu nas
demais conferências.
Certamente, levaram em consideração a atual correlação de forças, onde a
classe operária permanece, em sua grande maioria, alienada, desorganizada e
derrotada, em função de uma série de fatores históricos e culturais, como o
dogmatismo econômico, político e religioso de uma minoria que sempre dominou o
país. A competência e seriedade dos empresários em defender os interesses de sua
classe somente pode ser condenada para encobrir a fraqueza dos movimentos
sociais e seu débil interesse por este assunto.
Donos do país não admitem outro poder
Diante disto, seria até natural que os membros da Comissão Nacional cedessem,
dando maior representação aos empresários e aos governantes, cujas campanhas
eleitorais foram financiadas por aqueles. Isto não é uma crítica, mas uma
tentativa de interpretação neutra da realidade pura e simples, de
constatação.
Portanto, caso esta condescendente proposta não seja aceita por Lula, seus
financiadores de campanha e aliados políticos, e imposta uma ainda pior,
registre-se publicamente que a representatividade não é democrática e sim fruto
de um ‘Estado completamente oligárquico e autoritário’, conforme o definiu
Marilena Chauí, insistindo em que ‘é preciso democratizar o Estado brasileiro’
[ver
aqui].
O choro é livre, num país de todos, apenas no discurso. A única coisa que
faria com que esta, ou qualquer outra conferência ou Estado sejam democráticos,
é a pressão popular, exigindo tal condição, o suficiente para obrigar os ricos e
seus legítimos representantes no governo a cederem em seu despotismo. Coisa
ainda muito além do horizonte de nossa geração, infelizmente. Espero que nossos
movimentos sociais provem, na prática, que eu estou errado.
Se, por um lado, cada povo tem a Conferência de Comunicação que merece, por
outro, se Lula fosse fazer a democratização da comunicação que os militantes do
setor querem, teria o mesmo destino de Jango, Juscelino, Zuzu Angel, Vladimir
Herzog, Getúlio Vargas, Tancredo Neves e outros.
Os verdadeiros donos deste país não admitem outro poder que não seja o
deles!
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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV)