Os trilhos da divulgação científica realmente não são fáceis. Como se não bastassem as imprecisões jornalísticas comuns pela ignorância no assunto que está sendo abordado, temos também a infelicidade de encontrar desvirtuamentos no que um cientista disse, o que na verdade se trata de má fé. Na matéria ‘Descoberto fóssil que altera teorias sobre dinossauros’, veiculada pelo site Terra (ver aqui), podemos ter alguns exemplos desse ato de má fé. Neste texto, a autora deixa transpassar toda sua imparcialidade religiosa colocando palavras na ‘boca’ do cientista.
Uma coisa que se espera de um jornalista é boa fé. As pessoas que lêem seus artigos acreditam no que ele está escrevendo. Ele pode ter sua opinião e deixar claro sua opinião no texto, mas em hipótese alguma ele deve desvirtuar o que um cientista disse em entrevista.
No caso em questão, cientistas descobriram um fóssil de um dinossauro com as mesmas características do grande Tiranossauro, mas com um tamanho muito menor e bem mais antigo que esse. Trata-se do Raptorex.
A notícia veiculada no site Terra, de autoria de Ligia Hougland, apresenta a descoberta, que será publicada na edição desta semana da revista Science, juntamente com algumas palavras dos pesquisadores. Quando li a matéria fiquei um pouco apreensivo, pois as palavras dos pesquisadores estavam estranhas, induzindo a um criacionismo ou mesmo ao famigerado ‘desenho inteligente’. Uma rápida busca nas agências de notícias internacionais e percebi o que houve: má fé da autora. A transcrição em português está completamente equivocada e recheada de um abuso criacionista sem tamanho.
Dizer ‘design’ não é pecado
Por exemplo, no texto de Ligia Hougland temos a seguinte afirmação atribuída ao pesquisador Paul Sereno: ‘É impressionante. Não conheço nenhum outro exemplo de um animal que tenha sido tão perfeitamente criado em uma versão cerca de 100 vezes menor do que, mais tarde, se tornaria’ (o grifo é meu). Tão perfeitamente criado? Teria este cientista afirmado isso? Seria este cientista um criacionista?
Na matéria da CNN, vemos que não é bem assim. Paul Sereno afirma: ‘Raptorex really is a pivotal moment in the history of the group where most of the biological meaningful features about Tyrannosaurs came into being and the surprising fact is that they came into being in such a small animal’ (grifo meu). Came into being. Paul Sereno disse ‘surgiu’ (‘veio a ser’, para uma tradução mais literal). Onde está o ‘perfeitamente criado’?
Mais adiante, mais uma citação de Paul Sereno, de acordo com o site Terra: ‘Todas estas características fazem parte de um design belamente criado para um predador de grande sucesso.’ Design belamente criado? Paul Sereno por acaso é criacionista do DI? O que será que Paul Sereno teria mesmo dito? De acordo com o Scientific Blogging, ele afirma: ‘And that´s pretty staggering, because there´s no other example that I can think of where an animal has been so finely designed at about 100th the size that it would eventually become.’ Antes que se faça qualquer comentário maldoso, evolucionistas podem dizer ‘design’, sim, isto não é pecado. A diferença é que não atribuímos design a qualquer divindade, mas ao poder da evolução pela seleção natural. Paul Sereno afirmou que desconhece outro exemplo de um mesmo design sendo encontrado em animais com tamanho tão diferente (o Raptorex é 1/100 vezes o tamanho do T. rex). Nada a ver com ‘design belamente criado para um predador’.
Autora desvirtuou trechos
Por outro lado, o outro cientista envolvido na descoberta, Stephen Brusatte, afirma: ‘We can say that these features did not evolve as a consequence of large body size but rather evolved as an efficient set of predatory weapons in an animal that was 1/100th the size of Tyrannosaurus rex and that lived 60 million years before Tyrannosaurus rex.’ Este trecho demonstra que além de colocar palavras na afirmação de um pesquisador, a autora ainda confundiu as citações. Neste trecho está clara a explicação científica de que as características encontradas nos tiranossaurídeos (cabeça grande e braços curtos, entre outras) não evoluem como consequência do tamanho, mas sim, evoluem como um eficiente conjunto de armas predatórias. A autora Ligia pegou o que Brusatte disse, desvirtuou retirando os trechos onde ele afirma que estas características evoluem e colocou na ‘boca’ de Sereno como sendo características criadas.
A que ponto está chegando a desonestidade do movimento criacionista no Brasil!
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Professor da Universidade Federal de Viçosa, campus de Rio Paranaíba