Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Dia de índio e a
cobertura da mídia

Os jornais tiveram todo o dia de ontem para acompanhar a votação no Supremo Tribunal Federal sobre a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.


Ainda assim, o noticiário de hoje é inconclusivo, e o leitor fica sem saber se a questão está fechada ou não.


O pedido de vistas do processo, feito pelo ministro Marco Aurélio Mello, deixa margem a dúvidas sobre o efeito da votação, uma vez que, teoricamente, os demais ministros ainda podem alterar suas posições até o ultimo voto.


Ainda não votaram, além dele, os ministros Celso de Mello e o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. A sessão será retomada apenas no ano que vem.


Embora o placar estivesse em oito votos favoráveis à manutenção da reserva, entre onze ministros, a Folha de S.Paulo foi mais cautelosa e não cravou a afirmação de que a questão está definida.


O Globo também condicionou o resultado no título da reportagem, afirmando que ‘placar do STF é favorável aos índios’, embora ressalve, no texto, que, apesar de ainda não ter sido concluída a votação, o resultado é praticamente irreversível.


Já o Estado de S.Paulo aposta, no título, que o STF já tomou a decisão de manter a reserva indígena em Roraima.


Note-se que nenhum ministro votou contra a demarcação em área continua.


Os jornais capricharam no relato do clima da votação, descreveram cenas de índios festejando na Praça dos Três Poderes e registraram as reações dos produtores de arroz e políticos contrários à decisão.


Mas faltam esclarecimentos sobre o efeito da sessão nas outras disputas que marcam a existência de reservas indígenas em todo o País.


Não se sabe, por exemplo, se a proibição aos indígenas de explorar garimpos e montar barreiras e pedágios na reserva Raposa Serra do Sol vale para outras regiões.


Da mesma forma, em todo o noticiário fica escondido o fato de que os produtores de arroz não estão perdendo suas terras.


Os jornais não deram destaque ao fato de que, na verdade, os arrozeiros são invasores de terras da União.


O caso de Roraima é apenas uma repetição mais rumorosa do que acontece em toda a Amazônia, com a ocupação de terras públicas por grileiros, que expulsam os índios e depois tentam regularizar a situação com a ajuda de políticos.


Em todo o território amazônico ocupado por atividades agropecuárias, apenas 20% das propriedades está regularizada.


O resto é grilagem.


Revisando a História


As reportagens da imprensa brasileira a respeito dos 60 anos da decretação do Ato Institucional número 5, baixado no dia 13 de dezembro de 1968 pela ditadura militar durante o governo Costa e Silva, têm apresentado momentos interessantes.


A série publicada pelo Globo, por exemplo, já reviu atitudes do Supremo Tribunal Federal e da Ordem dos Advogados do Brasil, mostrando que nem tudo foram atos de bravura em defesa da democracia.


O jornal carioca já demonstrou que o Supremo Tribunal Federal foi conivente com a tentativa do governo militar de coagir o Congresso Nacional no episódio provocado pelo discurso do então deputado Márcio Moreira Alves, que deu início à crise institucional.


Na mesma reportagem, o Globo tinge a biografia do ex-ministro Aliomar Baleeiro, que não resistiu às pressões do governo e deu prosseguimento ao pedido de licença para processar o deputado.


Na seqüência, a Câmara dos Deputados negou a licença, Costa e Silva baixou o AI-5, fechou o Congresso e o Brasil entrou numa das fases mais tenebrosas de suas história política.


Na quarta reportagem da série, publicada nesta quarta-feira, o jornal registra que, entre 1964, ano do golpe militar, e 1974, a Ordem dos Advogados do Brasil oscilou entre a adesão ao regime de exceção, a omissão e a crítica discreta às ilegalidades institucionais.


Na edição desta quinta-feira, o Globo revela que a Associação Brasileira de Imprensa também se envolveu em atos de colaboracionismo e até mesmo em casos de delação de jornalistas às autoridades da ditadura.


Antes de se tornar um dos núcleos da oposição ao regime, a ABI foi um centro de adesistas, onde chegou a ocorrer uma sessão de homenagem a Costa e Silva em 1968.


Aguarda-se com grande expectativa a próxima reportagem da série.


Quem sabe o Globo conta a história do apoio dado pela imprensa brasileira ao golpe de 1964. Com um capítulo especial dedicado ao próprio o Globo.