Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Digitalização do rádio em Alagoas, um estudo de caso

Basicamente, por meio da digitalização da radiodifusão – que está preste a iniciar-se no Brasil –, as transmissões das emissoras AM alcançarão a qualidade sonora das transmissões FM. As FM, por sua vez, transmitirão as programações com qualidade similar ao som de um CD.

A transição custará caro para as emissoras. Os aparelhos digitais são importados e custam bem mais que os equipamentos de transmissão analógica. Ainda sim, fora do eixo das grandes mídias, rádios de porte médio também estão se preparando para esse momento histórico.

Contudo, até 2007, em Alagoas, o movimento dos radiodifusores ainda era tímido. Na ocasião, a movimentação do setor privado era mais intensa que o setor público. As entidades representativas dos radialistas (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão no Estado de Alagoas) e das rádios comunitárias (Associação Brasileira de Rádios Comunitárias – Seção Alagoas) estavam praticamente alheias às discussões referentes à digitalização. Em contrapartida, a hegemonia das informações técnicas no estado pertencia aos quadros locais da Associação Alagoana de Emissoras de Rádio e Televisão (Alert), que representa as emissoras particulares.

Com vistas a acompanhar o processo de digitalização da radiodifusão em Alagoas, o grupo de pesquisa COMULTI – UFAL/ COS/ CNPq encetou, ao longo de 2007, um breve estudo de caso, abrangendo duas das principais emissoras de rádio do estado; uma privada (Gazeta) e outra pública (Difusora). Tal pesquisa, engendrada por ocasião do IX Intercom Nordeste, foi realizada pelos pesquisadores Bruno Silva, Homero Dionísio, Josian Paulino, Júlio Arantes, Tiago Bastos e Tiago Zaidan.

Transmissor para qualquer padrão

A rádio Gazeta de Maceió, Alagoas, integra um conglomerado que conta com emissoras nas freqüências AM e FM. Criada em 1960, a Gazeta AM foi a terceira emissora a se instalar no estado. Somente em 1978, surge a Gazeta FM, fazendo do grupo que as detém (OAM) o primeiro conglomerado a operar nas duas freqüências.

Em 2007 a emissora se preparava – com cautela – para a transição do rádio. Embora o Ministério das Comunicações já estivesse autorizando testes com o rádio digital pelo Brasil, em Alagoas ainda não havia previsão em curto prazo para experimentos com a digitalização.

Gilberto Lima, então diretor de operação e programação das rádios Gazeta AM e FM e presidente da Associação Alagoana de Emissoras de Rádio e Televisão, Alert, frisou que, além da autorização do Ministério, a emissora que desejasse realizar testes digitais deveria possuir também um transmissor digital e um decodificador para converter os sinais analógicos em digitais. A Gazeta já possuía o transmissor digital, mas ainda não era o suficiente. ‘Não adianta ter o transmissor digital se você está mandando o sinal analógico. O nosso sinal ainda é analógico’, afirmou Lima. Havia também a problemática dos receptores. Para se captar o sinal digital, os receptores também deviam ser digitais, caso contrário as melhorias permitidas pela digitalização não eram notadas.

O equipamento ausente, o decodificador, possuía um valor elevado. Entretanto, o equipamento mais caro já havia sido comprado pela Gazeta. Tratava-se do transmissor que, segundo Gilberto, custou a bagatela de mais de um milhão de reais. De modelo canadense e em funcionamento desde 25 de junho de 2006, o transmissor adquirido servia para transmitir em qualquer padrão.

Comunitárias inviabilizadas

Das opções de padrões de rádio digitais disponíveis os mais cotados eram o IBOC, dos Estados Unidos, e o DRM, formado por um consórcio majoritariamente europeu. Lima acreditava na aprovação do padrão IBOC para a radiodifusão digital brasileira. ‘Pela experiência que eu tenho, eu defendo a opção norte-americana. Há uma facilidade de importação’, disse referindo-se ao IBOC. ‘O padrão norte-americano vai vir com uma condição de consumo dentro da realidade do nosso público ouvinte’, completou.

Lima disse estar preocupado com acessibilidade da população ao novo aparelho – o rádio digital – que deve substituir os tradicionais modelos analógicos de hoje. ‘Com o IBOC, vamos ter a possibilidade de operar com os dois sistemas. Com o digital e com o analógico, para não penalizar o ouvinte que não está com o rádio digital’, afirmou Gilberto Lima.

Quanto à realização de testes com a transmissão digital, Gilberto afirmou haver interesse da emissora. Caso os experimentos viessem a ocorrer, o padrão a ser adotado seria o IBOC, embora admitisse que em qualidade os padrões disponíveis se equivaliam.

Mesmo otimista com a digitalização da radiodifusão em solo brasileiro, Gilberto Lima confessou: ‘As [emissoras] comunitárias e piratas [livres] vão ficar inviabilizadas. É caro, independente do padrão’, referindo-se a digitalização.

Problema de dependência

‘Está no ar a ZY0-4, rádio Difusora de Alagoas. Já não somos a zona de silêncio do Brasil’ (GAIA, 2005, p.27). Com essas palavras, diante de um vasto auditório, o governador do estado, Silvestre Péricles de Góes Monteiro, inaugurou em 16 de setembro de 1948 – durante as comemorações dos 130 anos da emancipação política de Alagoas – a primeira rádio pública de Alagoas.

Mais tarde, em 1984, é criada a rádio Educativa FM. Também de caráter público, a Educativa inovou ao priorizar estilos da MPB (GAIA, 2005, p.64). A emissora foi expandida e, no ano passado, contava com estúdios nas cidades de Arapiraca e Portos Calvo, ambas no interior alagoano.

Desde janeiro de 2001 as emissoras Difusora AM e Educativa FM integram o Instituto Zumbi dos Palmares (IZP), autarquia estatal de comunicação que engloba também uma emissora de televisão e um espaço cultural.

Após transmitir por mais de 50 anos, narrando episódios marcantes do estado, a rádio Difusora e a sua co-irmã Educativa estão prestes a protagonizar mais uma passagem histórica: a propalada conversão do tradicional sistema analógico para o moderno sistema digital.

Diante da profusão tecnológica do novo sistema, as rádios públicas encontravam-se, em 2007, em situação peculiar. O jornalista e presidente do Instituto Zumbi dos Palmares na ocasião, José Américo Moreira da Silva, admitiu que, embora preferisse o padrão europeu, por apresentar mais vantagens do ponto de vista da interatividade com a população, aceitaria sem questionamentos a decisão do governo federal. Segundo Américo, as emissoras públicas não possuíam o orçamento necessário para a conversão digital, o que as tornaria dependentes da União.

Conversão muito onerosa

‘Como dependemos da verba, nós temos que seguir a orientação, em princípio, do governo federal (…). É através do BNDES que nós vamos pleitear a digitalização de todas as rádios públicas do Brasil. Se discordarmos do modelo escolhido pelo governo federal, certamente isso criará dificuldades, tanto no financiamento quanto na implantação do modelo de rádio digital’, afirmou José Américo.

Para o então presidente do IZP, o padrão IBOC, norte-americano, previa menos interatividade que o padrão DRM, que é europeu, além de ser mais comercial. Ainda assim, reconheceu que o IBOC deveria ser oficializado como padrão digital para a radiodifusão brasileira, em função do alto poder de barganha das emissoras privadas. ‘Diante da situação em que se encontram as rádios públicas no Brasil, nós não temos muito poder de barganha. Se a rádio comercial ficar com o IBOC, nós vamos ter que ficar com o IBOC. Até porque não podem existir dois padrões.’

Ao contrário das emissoras comerciais de Maceió, como a Gazeta AM e FM, por exemplo, as emissoras públicas vinculadas ao Instituto Zumbi dos Palmares não possuíam nenhum equipamento de transmissão digital, o que tornaria a conversão ainda mais onerosa. Américo explicou que apenas os equipamentos de produção (computadores e ilhas) eram digitais. ‘As rádios privadas têm dinheiro para fazer a transição e as rádios públicas não têm’, insistiu Américo.

Emissoras comerciais em vantagem

A obtenção dos recursos financeiros para pavimentar a digitalização das emissoras públicas vinha constituindo um problema para o segmento. Em Alagoas a situação é mais acentuada, pois, segundo confirmou o presidente do IZP, o governo do Estado – mantenedor das emissoras Difusora AM e Educativa FM – não possuía verbas para investir na digitalização. De fato, Alagoas é conhecida por seus problemas econômicos e sociais.

Mesmo com as circunstâncias críticas, José Américo falou em cautela. Para ele, os preços dos equipamentos baratear-se-iam com o passar do tempo. No tocante aos investimentos em recursos humanos, o responsável pelo IZP apontou o caminho da reciclagem e da capacitação dos profissionais, visando à transmissão digital. Havia também a possibilidade da geração de novos postos de trabalho: ‘No que tange à rádio pública, a demanda de trabalho será maior na área de produção de material: mais jornalistas, mais produtores, mais repórteres, mais apresentadores…’

Quanto ao aproveitamento financeiro da digitalização da radiodifusão pelas emissoras públicas, Américo não foi enfático. Apenas acrescentou que os anúncios seriam efetuados por meio de apoios culturais, ‘através de empresas que adotam o marketing de responsabilidade social’.

Diante da conjuntura observada em 2007, é difícil apostar nas chances da rádio Difusora AM conseguir repetir o feito pioneiro de 1948, quando se tornou, oficialmente, a primeira emissora de rádio constituída no estado. Atualmente, é mais provável que uma emissora comercial assuma o posto de pioneira na transmissão digital em Alagoas.

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Mestrando do programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador do Grupo de Pesquisa COMULTI – UFAL/ COS/ CNPq, Maceió, AL