Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dissidentes usam a ‘janela da oportunidade’

A China representa hoje uma grande incógnita. Governada por um regime híbrido, no qual se cruza uma economia de caráter capitalista e uma política autoritária e totalitarista.

Um surpreendente crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) escorado numa indústria de alta produtividade movida por operários com baixos salários. Seus produtos entraram como uma onda no mundo desenvolvido, mas agora se constata que deixam muito a desejar na qualidade – alguns são, inclusive, perigosos.

Surge uma camada social de novos ricos, uma indústria cinematográfica de assustar Hollywood e a criação de verdadeiras e modernas megalópoles, a principal das quais é Xangai.

Junto a isso tudo, existem grandes problemas: a violenta desapropriação de terras de agricultura para servirem à industria, centenas de milhões de habitantes que vivem em miséria absoluta, uma poluição jamais vista das águas e da atmosfera – esta última de tal monta que se teme que afete todo o globo terrestre.

Carta aberta

Todavia, um dos principais problemas – e que faz da China um país com mentalidade medieval – é o total desrespeito pelas liberdades individuais, apesar de que, de acordo com a Constituição, o Partido Comunista se comprometeu a governar respeitando os direitos humanos. Contudo, a magistratura, sob o comando do partido, continua a prender e condenar jornalistas, escritores, advogados e militantes democratas por crime de opinião, de palavra e pela expressão de idéias políticas.

A China democrática existe e demonstra não ter medo do regime autoritário. O ponto partida histórico aconteceu em abril de 1989, quando milhares de pessoas ocuparam a Praça Tien an men, em Pequim, para pedir respeito pelas liberdades civis. Na maioria, eram estudantes. O movimento se espalhou também a outras cidades chinesas, antes de terminar, numa repressão sangrenta, com o ingresso de carros armados na praça (4 de junho). O número de vítimas daquela noite jamais se saberá ao certo qual foi – segundo o governo, 300; segundo os estudantes, 3 mil.

Passados quase 20 anos desse fato, no último dia 28 começou uma iniciativa clamorosa, lançada quando o Partido Comunista convocou seu próximo congresso nacional. Logo depois que a agência Nova China divulgou a data do congresso (15 de outubro), mais de mil personalidades lançaram uma carta aberta ao presidente da República e secretário-geral do partido, Hu Jintao. Os signatários pedem a libertação imediata de prisioneiros políticos e a liberdade de imprensa como condição para criar uma nova imagem do país, onde a letra de Constituição, no que concerne às liberdades individuais, seja integralmente cumprida.

A carta aberta, como era de se esperar, foi censurada por todos os meios de informação e a grande massa dos cidadãos chineses jamais tomará conhecimento do seu conteúdo. Mas a amplitude do número de signatários é significativa. Os que assinaram o apelo ao presidente estão usando a ‘janela de oportunidade’ – que teve de ser aberta em função dos Jogos Olímpicos, pois é com esse evento que o regime tenta firmar sua respeitabilidade internacional. Mas os dissidentes pensam o contrário: querem mais atenção por parte dos países livres.

Discurso de Merkel

O novo grupo governante de Hu Jintao tem, essencialmente, formação técnica e em sua grande maioria provém das fileiras da Juventude Comunista, da qual Jintao foi o secretário-geral por vários anos. A ideologia desse grupo dirigente foi anunciada com clareza nos últimos três anos: nada de concessões ocidentais de democracia.

No front de informações, ao se aproximarem os Jogos Olímpicos, houve um aperto do controle autoritário. Foram reforçadas as leis sobre a censura à internet e, no último dia 27, foi criada e entrou logo em funcionamento uma nova cyber-polícia: imagens animadas de policiais em uniforme aparecem de repente nas telas dos monitores, para advertir os usuários no sentido de não usarem os sites proibidos.

Mas a corajosa iniciativa dos mil coincidiu com a visita a Pequim da chanceler alemã, Angela Merkel, a qual, ao contrário de seu antecessor Gerard Schroeder – que com os chineses falava somente de negócios – deu à visita um forte cunho de direitos humanos. Encontrou-se com um grupo de jornalistas dissidentes, entre os quais o célebre Li Datong, que foi despedido da direção do Quotidiano da Juventude por não seguir a linha de Hu Jintao de forma desejável.

Antes de partir, Merkel, em um discurso público, declarou que ‘na preparação das Olimpíadas de Pequim de 2008, o mundo estará olhando a China com uma atenção sem precedentes. Resta verificar como a China se apresentará a esse encontro no terreno da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.Os direitos humanos serão cruciais para a percepção da China na Alemanha’.

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Jornalista