Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dois olhares sobre a violência

 

Uma rápida comparação entre os principais jornais paulistas, O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo, e o maior jornal do Rio, O Globo, revela uma inversão ocorrida na hierarquia do noticiário.

No ano passado, neste mesmo período, o jornal carioca trazia manchetes e reportagens destacadas sobre ações violentas dos grupos organizados que ainda resistiam à ocupação de favelas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Em São Paulo, ao contrário, a imprensa destacava uma pequena queda nos indicadores da criminalidade.

Neste ano, e especialmente nas últimas quatro semanas, São Paulo convive com notícias quase diárias de assassinatos de policiais seguidos de chacinas na periferia da capital e em outras cidades, enquanto o tema violência se tornou mais circunstancial das manchetes do Globo.

O que se pode observar nesse conjunto de acontecimentos?

Ajuda federal

Em primeiro lugar, deve-se notar que o projeto das UPPs começou a ser implantado no Rio em 2008, após uma série de estudos dos quais participaram não apenas policiais, mas profissionais de outras áreas qualificados para lidar com problemas sociais.

Antes de qualquer ação efetiva, foram feitas extensas análises das condições de vida em cada favela a ser ocupada pelas tropas policiais, foram estudadas as características geográficas e os perfis das quadrilhas. Ainda assim, quando ocorreu a primeira ocupação, na favela Santa Marta, na zona Sul, a atitude da imprensa foi de observação crítica.

Um ano antes, o Globo havia publicado uma série exemplar de reportagens, sob o título geral “A ditadura nas favelas”, demonstrando que a violência produzida pelo narcotráfico nas comunidades sob seu domínio superava, em catorze anos, o número de mortos e desaparecidos do regime militar, que durou vinte anos.

Na ocasião, o Globo manifestou dúvidas quanto à possível continuidade do projeto, mas, embora discutindo a capacidade e disposição do Estado para consolidar a primeira ocupação e estendê-la a outras regiões, reconheceu os primeiros resultados positivos.

Já no ano seguinte, o jornal carioca apoiava explicitamente o projeto das UPPs, criando o programa “Democracia nas favelas”, pelo qual acompanhava o processo de construção da cidadania nas áreas pacificadas.

Em São Paulo, ocorreu o contrário: em vez de levar às comunidades dominadas pelo crime a segurança e a assistência do Estado, o governo decidiu partir para o confronto com criminosos e suspeitos nos locais onde ocorre a delinquência, orientando a polícia a agir com rigor redobrado.

O conceito de inteligência de segurança foi reduzido à tarefa de monitorar suspeitos e tentar prever as ações mais atrevidas, como grandes assaltos. O policiamento das regiões nobres da capital foi reforçado e algumas cabines de atendimento foram instaladas em áreas de grande afluxo de transeuntes.

O governo de São Paulo nunca cogitou de pedir ajuda federal, como fez o Rio de Janeiro, para tomar o poder do crime organizado nas comunidades pobres, onde ele se articula e impõe suas regras. E a imprensa paulista, ao contrário do Globo, não encarou com olhar crítico a estratégia oficial.

Guerra urbana

Enquanto o jornal carioca apontava erros sem condenar o projeto das UPPs, a Folha e o Estadão se comportavam como extensões das assessorias de imprensa oficiais, reproduzindo estatísticas otimistas e publicando os relatos da polícia sobre os confrontos de rua – com exceção de quatro ou cinco repórteres que eventualmente levantavam dúvidas sobre as versões das autoridades.

O número de ocorrências descritas como tiroteios ou resistência à prisão se multiplicou, e a letalidade da ação policial foi comemorada como triunfo sobre o crime.

Nas últimas quatro semanas, o cenário é diverso. No Rio de Janeiro, o Globo segue reconhecendo o acerto do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora mas cobra do governo uma ação ainda mais ampla, constatando que muitos criminosos, fugitivos das zonas ocupadas pela polícia, implantam seu regime de terror em lugares mais distantes, como ocorreu em setembro no Parque do Gericinó, na Baixada Fluminense, onde seis jovens foram torturados e mortos por traficantes. Além disso, o jornal denuncia a ação de milícias que tentam ocupar o lugar dos traficantes nas zonas pacificadas.

Em São Paulo, o aumento da violência tem feito a imprensa despertar para a possibilidade de que a estratégia da segurança pública esteja produzindo uma guerra urbana entre o crime organizado e a Polícia Militar.

Ainda que tardiamente, os jornais paulistas começam a ir um pouco além dos boletins oficiais.