A crise em Honduras acaba de derrubar algumas máscaras da imprensa brasileira.
O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), o colombiano Enrique Santos Calderón, distribuiu comunicado condenando a censura aos meios de comunicação, o empastelamento do canal 36 e da Rádio Globo de Tegucigalpa e a suspensão de garantias constitucionais promovidos pelo governo golpista de Honduras.
O dirigente da SIP chama Manuel Zelaya de ‘presidente deposto’ e critica ‘o governo de Roberto Micheletti, no poder desde o golpe de Estado de 28 de junho que depôs o presidente Manuel Zelaya’, pelas medidas de força.
Os jornais brasileiros omitem completamente de seus leitores a manifestação oficial da entidade que os representa em âmbito continental.
Na mesma linha, o site da Associação Nacional de Jornais (ANJ) lembra os 60 dias da proibição ao jornal O Estado de S.Paulo de publicar informações sobre o inquérito da Polícia Federal contra a família Sarney, mas não faz referência à posição da SIP sobre o caso de Honduras. Da mesma forma, omite-se no que se refere às medidas de truculência do governo golpista contra a liberdade de imprensa e outros direitos fundamentais.
Ou seja, claramente a imprensa brasileira, por seus principais representantes e por sua entidade oficial, faz uma interpretação com dois pesos e duas medidas sobre o que sejam os direitos civis e, especialmente, sobre o que é a liberdade de imprensa.
Esclarecimento devido
A assembléia geral da SIP está marcada para a semana de 6 a 10 de novembro, em Buenos Aires. Certamente a liberdade de imprensa será novamente o tema principal do encontro. Como em todas as suas reuniões, os senhores da mídia vão fazer discursos emocionados sobre os jornalistas presos ou mortos no continente americano, vão emitir documentos alertando para os constantes ataques ao direito de informação, com especial destaque para as truculências do presidente venezuelano, Hugo Chávez.
Com toda certeza estará na pauta o caso da família Sarney contra o jornal O Estado de S.Paulo, assim como deverá ser citado o conflito entre a Igreja Universal do Reino de Deus e a Folha de S.Paulo.
O modo como o caso de Honduras será tratado vai esclarecer definitivamente a serviço de que liberdades se colocam os jornais latino-americanos.
Por trás da notícia
Alguns jornais brasileiros reproduzem trechos de entrevista à imprensa internacional do líder do governo golpista de Honduras Roberto Micheletti, na qual ele afirma que o presidente constitucional, Manuel Zelaya, foi deposto por se aproximar de líderes considerados esquerdistas e abandonar um acordo com as forças políticas tradicionais de Honduras.
Ou seja, não se tratou de preservar a Constituição, como afirmam alguns juristas e como tende a destacar uma parte da imprensa, mas simplesmente de tirar do poder um presidente que foi eleito por uma coalizão conservadora e no meio do caminho resolveu mudar sua orientação política.
A declaração de Micheletti diz muito mais sobre a crise de Honduras do que todo o noticiário internacional que se sucedeu ao golpe: a política naquele país centro-americano, como costumava ser até bem pouco tempo em toda a América Latina, era o jogo de cartas marcadas entre personagens do mesmo grupo político, que se revezavam no poder através de acordos que se confirmavam nas urnas de alguma forma obscura.
Até duas décadas atrás, os desvios eram ‘corrigidos’ pela ação dos militares, com apoio explícito ou dissimulado dos Estados Unidos. Esse tempo passou, e hoje os golpes são ‘constitucionais’, com respaldo da imprensa.
Fora do ninho
Esse é o sentido da sincera manifestação do deputado Roberto Micheletti, que também esclarece o empenho dos legisladores hondurenhos em proibir, na Constituição e na legislação ordinária, a reeleição do presidente: evitar mudanças no jogo político viciado.
Os jornais já deixaram claras algumas intenções do presidente deposto, ao noticiar que ele insistiu em um plebiscito para alterar a Constituição, mas vinham até aqui omitindo dos leitores como funcionava realmente o sistema político hondurenho até Manuel Zelaya ensaiar um vôo para fora do seu ninho ideológico.
No caso da crise hondurenha, a verdadeira informação está por trás da notícia.
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Entrevista de Roberto Micheletti ao diário Clarín, de Buenos Aires