Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dois casos de atuação da imprensa local

Nas últimas semanas, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo voltaram a noticiar o escândalo do Detran do Rio Grande do Sul, caso de suspeita de corrupção que se tornou público em novembro de 2007, quando a Operação Rodin foi deflagrada pela Polícia Federal. De acordo com a PF, foi montado no Detran-RS um esquema que surrupiou R$ 40 milhões dos já depauperados cofres gaúchos.


Uma pesquisa na base de dados do projeto ‘Deu no Jornal‘, da Transparência Brasil, indica que cada um dos jornalões sediados em São Paulo publicou três matérias sobre o caso no período entre 15 de maio e 21 de maio.


Acompanhado à distância por diários de alcance nacional, o tema não saiu da pauta da imprensa gaúcha desde 6 de novembro de 2007. Da data em que foi deflagrada a ação da PF até 21 de maio, foram 206 textos no Correio do Povo e 306 no Zero Hora, ainda de acordo com o projeto ‘Deu no Jornal’ (banco de dados de matérias jornalísticas sobre corrupção).


Como evidenciam os números, a cobertura da imprensa gaúcha se descolou do noticiário nacional. E o desenvolvimento das apurações já atinge a governadora Yeda Crusius (PSDB), o que trouxe o caso de volta aos diários de referência.


Omissão na Paraíba


Embora tenham apresentado algumas falhas (para uma análise mais detalhada, ver o estudo ‘A cobertura do escândalo do Detran gaúcho‘, divulgado pela Transparência Brasil em abril), os dois principais jornais do Rio Grande do Sul cumpriram seu papel fiscalizador. Com toda a luz jogada sobre o escândalo Detran, é de se esperar que as autoridades façam uma boa apuração das responsabilidades.


A mesma esperança não se vislumbra em outro estado governado por tucanos. Na Paraíba, onde o governador Cássio Cunha Lima chegou a ser cassado, mas se segura no cargo por força de uma liminar, a imprensa local falhou feio.


Embora o caso que culminou na cassação do governador pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba tenha sido outro (abuso de poder político), um assunto que poderia ajudar na compreensão das atividades do governo estadual ficou à sombra graças à ineficiência dos jornais paraibanos.


Conforme o estudo ‘Na Paraíba, governo dispensa licitação e jornais dispensam esclarecimentos‘, divulgado pela Transparência Brasil em abril, os três principais diários paraibanos ficaram devendo à sociedade um relato consistente da denúncia apresentada por um deputado de oposição sobre dispensa supostamente irregular de licitação.


Não há hábito de repercutir


Das 23 matérias publicadas sobre o assunto na imprensa local entre 19 de novembro e 9 de dezembro de 2007, só uma não saiu no Correio da Paraíba, cujo proprietário, Roberto Cavalcante, é suplente do senador José Maranhão, ex-governador da Paraíba.


Em nenhum dos 22 textos do Correio, o atual governo da Paraíba é ouvido. ‘Há uma determinação do governo para não nos responder. Nós os consultamos, eles é que não falam’, disse o editor de política do Correio da Paraíba, Josival Pereira, ao autor do estudo da Transparência Brasil. No entanto, em nenhum texto o jornal menciona que o governador foi procurado. Sem espaço para o ‘outro lado’, é difícil conferir credibilidade aos relatos do Correio.


Os outros dois jornais analisados – Jornal da Paraíba e O Norte – também não cobriram o caso corretamente. O segundo deu apenas uma matéria sobre o assunto e o primeiro não publicou nem uma linha.


A editora-executiva do Jornal da Paraíba, Angélica Lúcio, disse à Transparência Brasil que o jornal tem não o hábito de repercutir um tema ‘quando o concorrente sai com o furo’.


Sem braços


O diário O Norte também tem uma explicação para ter deixado o assunto de lado. Vale reproduzir um trecho do estudo:




‘A editora de política de O Norte, Glaudenice Nunez, diz que foi decisão da empresa não acompanhar o caso e não pode comentar o assunto. Ela afirma que o jornal só publica denúncias ‘quando a Justiça se posiciona’ ou quando a ‘fonte da informação pode ser checada.’ Quando lembrada que é público o acesso ao Sagres, sistema que os deputados têm usado para fazer as acusações de dispensa de licitação, Glaudenice alega que ‘essa parte é por causa da determinação da empresa’.’


Em resumo: a sociedade ignora o que se passou. Milhões de reais podem ter sido desviados. Por outro lado, pode ter havido falsas acusações. Quem sabe?


Como se percebe, faz toda a diferença a postura da imprensa local perante os governos locais. A chamada ‘grande mídia’, que mal cobre os grandes escândalos – e muitas vezes os cobre muito mal –, não tem braços para relatar todos os casos de suspeitas de corrupção sussurrados neste imenso país.


A esperança que resta é que o propalado crescimento da classe média brasileira resulte em um fortalecimento de algumas das nossas instituições, entre as quais os jornais de alcance municipal e/ou estadual. Quem viver, verá.

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Coordenador de projetos da Transparência Brasil