Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Doutora Lorca, internet pode?

No programa Zorra Total há um quadro em que, na pele da Doutora Lorca, a nutricionista gordinha, Fabiana Karla, usa o bordão: ‘Isso pode! Isso não pode’. E o bordão chegou para ficar. Já me acostumei a entrar no meu carro e logo pensar: ‘Beber pode, mas dirigir depois não pode’.

Agora , diante do meu computador, e tendo à minha disposição um instrumento que, teoricamente, me permitiria uma liberdade total para dizer a centenas de internautas com os quais teclo diariamente qual o meu candidato preferido e por quais motivos apoio sua candidatura e eleição, vejo-me diante da Justiça Eleitoral travestida de Doutora Lorca, e o pior, ela nem diz que posso e nem diz que não posso enviar e-mails e criar grupos no Orkut.

Pelo menos foi essa a informação que recebi no Cartório Eleitoral: a lei é omissa nesse sentido. Mas, se houver alguma representação de partidos de oposição ao seu candidato, aí, então, a multa poderá ser alta, e as punições, severas.

E então: pode? Não pode?

‘A imaginação adormecida’

Marcos Cintra, articulista da Folha de S.Paulo, fecha seu excelente e questionador artigo ‘Golpe na democracia‘ de uma forma sucinta e clara: diante da proibição de uma propaganda barata e ecologicamente correta pela internet, fica aqui a pergunta: teria a Justiça Eleitoral, às cegas, dado um golpe de espada na democracia?

Será que, depois de mais de trinta anos, vai tornar-se atualíssimo o artigo ‘O voto baseado em fotos’, de Osman Lins, escrito em agosto de 1976?

Nesse artigo, comentando o fato de que, naquele momento em que ele escrevia, os partidos deveriam limitar-se a mencionar a legenda, o currículo e o número do registro dos candidatos na Justiça Eleitoral, bem como a divulgar, pela televisão, somente suas fotografias, Lins conclui que nunca uma eleição ofereceu ao homem de espírito oportunidade tão fascinante:

‘Até agora, confiando na falácia das palavras, dos discursos, dos debates, tudo ficava num nível rotineiro, pouco propício à criação. Abre-se, diante de nós todos, com o novo e desafiante sistema de propaganda eleitoral, um campo inédito, e só devemos ser gratos. Principalmente nós, os eleitores. Deixamos de ser uma turba inerte, passiva. Passaremos a atuar de modo criador, a fazer a imaginação até agora adormecida. Participaremos da vida política do país como nenhum povo; elegeremos seres imaginários, seres criados por nós.’

Candidato deve ser criativo

Tenho acompanhado pelos jornais divulgação paga de campanhas. Quem tem dinheiro, divulga: não precisa de internet.

Alguns podem até alegar que o artigo 18, da resolução nº 22.718, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), permite ao candidato ter uma página na internet, mas não pode, e nem seus eleitores e simpatizantes, fazer propaganda eletrônica.

Como diz Marcos Cintra: quem entende um pouquinho de internet sabe que não basta ter uma página para ser conhecido. Para isso, é necessário ter uma ampla divulgação e isso só pode ser feito pelos mecanismos de busca ou por meio de propaganda em sites, em portais e em blogs.

Será que quem fez, e quem aplica a lei, entende e utiliza diariamente pelo menos um pouquinho da internet?

E, então, todos perguntamos em uníssono com Marcos Cintra: como fica a preservação do meio-ambiente com o corte de árvores para confecção de ‘santinhos’ e para que estão servindo os programas de inclusão digital?

Aos internautas, com certeza, faltarão informações para que seu voto seja dado com consciência e conhecimento, e fica, mais uma vez, posto o desafio de Osman Lins: é preciso que o candidato seja criativo e que o eleitor tenha muita imaginação.

E, depois, ficam se perguntando por que os jovens, internautas em sua grande maioria, estão fugindo das urnas.

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Orientador educacional, jornalista e fotógrafo, Ribeirão Preto, SP