Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E a vida continua…

Na primeira semana deste ano da graça de 2007, os dois fatos que mereceram mais artigos e comentários no Observatório da Imprensa carregam em si a mesma gênese. A diferença entre ambos está apenas nos métodos e nos resultados. Ambos são os filhos bastardos do desrespeito à lei e do desprezo pela autoridade.

Bandidos queimaram ônibus, mataram inocentes, emboscaram policiais e atacaram prédios públicos com disparos de armas automáticas e granadas de mão. Uma socialite escreveu, e foi publicada, uma coluna chamando o presidente da República de bêbado e covarde e a primeira-dama de ridícula. Uma comparação absurda, dirão. Não é, não.

Por que estes dois fatos, aparentemente tão díspares, são gêmeos? Porque, tanto os bandidos quanto a socialite, sabem que a impunidade é garantida. Porque sabem que a autoridade se acovarda diante da repercussão das medidas de repressão que deveria adotar.

Direitos e deveres

A bandidagem há muito se deu conta disso. Basta um aperto mais forte para a imprensa começar a bradar contra o desrespeito aos ‘direitos humanos’. Prova disso é a afirmação de Marcola ao diretor do DEIC de São Paulo, fartamente mancheteada na época dos ataques do PCC, de que ele podia entrar numa delegacia e matar policiais, mas a polícia não podia fazer o mesmo com ele.

A imprensa, então, nem se fala. Se alguém olhar de cara feia para um jornalista sobram manchetes, editoriais, declarações e notas berrando contra o ‘cerceamento da liberdade de imprensa’. Mas que liberdade é essa, afinal? A liberdade de noticiar só o que interessa e ofender a quem não cai nas graças dos barões da mídia?

Norberto Bobbio, em seu livro A Era dos Direitos, ensina que a cada direito corresponde um dever. O direito à liberdade de imprensa implica o dever de informar com correção, de publicar a verdade dos fatos, não a versão que interessa a quem publica. O governo Lula abriu o flanco aos ataques quando recuou da decisão de não renovar o visto de Larry Rohter. Como uma alcatéia faminta, a mídia sentiu o cheiro do medo e partiu para o massacre. O resultado do recuo foi o que se viu e, em minha opinião, culmina com a enciclopédia de insultos vertidos em letra de forma pela socialite.

Uma discussão previsível

A comparação é absurda? Não. As condutas dos bandidos e da socialite estão tipificadas em leis penais. A única diferença entra elas consiste nos resultados. Em Direito, aprendemos que há crimes materiais – que se consumam com a produção de resultados que transformam o mundo exterior – e crimes formais, que se consumam com a realização da conduta descrita na lei. Todos os crimes merecem a reprimenda jurídica. Esta se gradua pela medida da reprovação da conduta. É claro que o atentado contra a vida humana merece uma punição infinitamente mais severa do que o ataque à honra de quem quer que seja. Mas ambos têm de ser punidos, sob pena de legitimar a conduta criminosa e estimular sua proliferação.

Mas todos sabemos o que resultará de toda essa discussão. A mídia continuará a bradar por repressão contra os quadrilheiros do Rio de Janeiro. Quando ela ocorrer e começarem a aparecer os cadáveres, surgirão as manchetes e as reportagens ‘investigativas’ sobre ‘execuções’ praticadas por policiais. O governo Lula nada fará para reparar o dano contra a honra do presidente da República por medo da reação da mídia. E a vida continuará como sempre nestas terras abençoadas por Deus e bonitas por natureza.

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Policial civil, graduado em Direito e pós-graduando em Segurança Pública e Direitos Humanos, São Pedro do Sul, RS