Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘É necessário quebrar o círculo vicioso da baixaria-ibope-violência-sexo’

Inaugurada em 20 de outubro de 1990, a MTV (Music Television) alcançava 53 cidades e 5 milhões de domicílios brasileiros. Hoje, atinge 265 municípios em todo o país, totalizando mais de 16.200 milhões de casas. Está presente nas principais capitais do país em sinal aberto. Desde 1995, transmite sua programação durante 24 horas ininterruptas todos os dias. Segundo o Ibope, seu público estimado é de 3.700 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, das classes A e B de todo o Brasil.

Formado em Direito pela Universidade de São Paulo, Zico Góes é o atual diretor de programação da MTV. Prata da casa, Zico trabalha na empresa há 13 anos. Foi tradutor, redator, chefe de reportagem e gerente de programação. Jornalista Amigo da Criança, título recebido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), Zico afirma que a busca pela qualidade dos programas de TV para crianças e adolescentes é um desafio que deveria ser levado a sério, mas que tem sido negligenciado. E destaca: ‘Qualidade em TV não é necessariamente o apuro técnico, a profundidade do conteúdo, a credibilidade da informação. Qualidade depende do relacionamento que você propõe ter com seu público. Um programa para jovens tem qualidade quando o jovem acredita nele’.

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Como a MTV seleciona seus programas? Como vocês definem ‘qualidade’?

Zico Góes – Os programas da MTV passam por alguns filtros. O primeiro deles é o interesse do jovem. Por conta disso, procuramos, dentro do nosso segmento, ser o mais abrangente possível, nunca nos afastando da música e do nosso estilo que é bem-humorado, sem muitos padrões rígidos, com naturalidade e estética moderna. Qualidade em TV não é necessariamente o apuro técnico, a profundidade do conteúdo, a credibilidade da informação. Qualidade depende do relacionamento que você propõe ter com seu público. Um programa para jovens tem qualidade quando o jovem acredita nele.

É possível conciliar audiência com qualidade em TV? Qual é a receita?

Z.G. – Sim, é possível. A receita é ter vontade e ter uma relação bem diferente com o mercado anunciante (parecida com a relação que se estabelece com a audiência), uma relação de confiança. Nesse triângulo amoroso, se não tiver confiança não tem jeito. O anunciante da MTV sabe que no nosso canal ele tem um produto diferente e que consegue falar diretamente, e de um jeito bem qualificado, com os jovens. A qualidade bate longe a quantidade. Não somos fanáticos por números do Ibope, nem nossos patrocinadores, que entendem que não proporcionamos números frios e desqualificados de uma disputa dominical entre ‘faustos’ e ‘gugus’.

Como você avalia, hoje, a qualidade dos programas da TV brasileira voltados para crianças e adolescentes?

Z.G. – Em geral, a não ser aqueles veiculados pelas TVs educativas, a qualidade é ruim. O jovem costuma ser estereotipado e desrespeitado na TV. Não é o jovem de verdade nem são os assuntos que ele realmente tem interesse que aparecem na televisão. Pesquisas realizadas pela MTV mostram algumas tendências, carências e interesses gerais ou momentâneos dos jovens. Em geral, não dá para saber exatamente o que o jovem quer, mas dá para saber um pouco mais dele próprio. Sabemos, sim, que o jovem não quer ser enganado. O jovem quer se ver na TV, o jovem quer uma TV que seja dele, para ele, só dele. Neste sentido, temos tentado atendê-lo. A busca pela qualidade dos programas de TV para crianças e adolescentes é um desafio que deveria ser levado a sério, mas que tem sido negligenciado.

Você acha então que a mídia pode/deve ser educativa?

Z.G. – Educativa, não sei se deve. Na minha opinião, a família, a escola e a TV pública/educativa têm este papel. Mas acho que a mídia pode ser, sim, responsável, informativa e fomentadora da conscientização de noções de cidadania.

Que ações uma TV pode fazer para se tornar um veículo comprometido com a qualidade?

Z.G. – Devem ser criadas alternativas. É preciso gerar interesses diferentes dos que já estão estabelecidos. É necessário quebrar o círculo vicioso da baixaria-ibope-violência-sexo-ibope-baixaria. Devemos acreditar no relacionamento sincero com o público. No fundo, basta querer, pensar e usar criatividade – o que está em falta nos dias de hoje.

Qual a importância da realização da 4ª edição da Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes (CMMCA)?

Z.G. – Este encontro é muito importante, pois é a chance de conscientizar público e produtores de que a mídia não precisa ser sempre a vilã da história. É também a oportunidade de aproximar dois pólos: produção e consumo. A impressão é que há, hoje, um afastamento grande desses dois lados. Afastamento que resulta em uma produção de mídia absolutamente divorciada da vontade do consumidor, que continuará consumindo aquilo que dizem que é para ele, quando, na realidade, não é.