O Prêmio Abdias Nascimento realizado no início de novembro de 2011, pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro (Cojira-Rio), simbolizou a união de três conceitos: igualdade racial, política sindical e jornalismo.
Pelas mãos dos membros da Cojira-Rio essa tríade se traduziu num resultado interessante e alvissareiro. Importante salientar que a depender das mãos que se propõem a costurar essas ideias, pode emergir um ogro ou uma beldade. A sabedoria popular receita que a diferença entre o remédio e o veneno se dá pela dosagem escolhida pelo químico.
Na minha percepção, o que se viu no dia 7 de novembro foi a o resultado de uma empreitada audaciosa, inovadora e bem executada. Com a atividade, a Cojira-RJ postula ingresso no clube das entidades que ousam avançar do nível da denúncia e o da reprodução de ideias e comportamentos ao seleto espaço dos que realizam. Ou melhor, daqueles coletivos que têm autoestima, coragem e foco suficientes para atravessar essa distância imensa: cruzar a via para andar na calçada dos que assumem riscos a fim de oferecer à sociedade projetos estruturantes.
Conhecemos as reticências e avaliações negativas que ativistas e organizações de igualdade racial têm feito à grande imprensa brasileira. Isso tem ocorrido muito em razão de coberturas desfavoráveis a duas bandeiras estratégicas para essa militância, ou seja, a política de reserva de vagas para afrodescendentes em instituições de ensino superior (as cotas) e questão fundiária do segmento quilombola. O espaço da política sindical dos jornalistas também vinha sendo, em alguma medida, desdenhado por parte dessa mesma militância de igualdade racial, em alguma medida por se entender que essa vertente, historicamente, foi terreno imberbe ou lento para assimilar as demandas da luta antirracismo.
Bom desempenho ante os desafios
A abertura de centrais sindicais e suas entidades filiadas ao tema igualdade racial, convenhamos, é recente. Quando se trata do ambiente das redações, a desconfiança não é menor. São muitos os editores refratários a pautas que tenham a ver com essa temática. É também comum o fenômeno de profissionais de imprensa afrodescendentes que evitam se envolver com essa causa por temerem que a imagem de militante os fragilize na disputa árida para se manter ou prosperar na profissão.
Há também no ambiente sindical do jornalismo uma prática no mínimo surpreendente. Por vezes deparamos com discursos e análises depreciativas a profissionais que atuam na grande imprensa, comentários motivados por visões ideológicas. Ocorre que, ao menos formalmente, os sindicatos foram criados para defender e não atacar jornalistas, a não ser que incorram em faltas éticas.
A Cojira-Rio tinha essas e outras variáveis pelo caminho ao decidir por realizar o Prêmio Abdias Nascimento. Para quem teve oportunidade de assistir à premiação, ficou a imagem de que a Cojira-Rio, habilmente, conseguiu dialogar com bom desempenho ante tantos desafios. O bom número de inscrições demonstrou que a ideia foi oportuna e tem vocação pela continuidade. A presença de tantos militantes “históricos”, como estranhamente alguns ativistas gostam de ser classificados, foi outra vertente dessa adesão.
Novas etapas da luta
A Cojira-Rio, igualmente, demonstrou maturidade ao convidar “estrelas” da grande imprensa, como a jornalista Glória Maria e a colunista Flávia Oliveira, para ocuparem o palco da premiação. Tanto Glória quanto Flávia são afrodescendentes que ocupam espaços importantes no jornalismo televisivo, mas não são militantes orgânicas do Movimento Social Negro. A Cojra-Rio não cedeu a apelos sectários.
Participar desse momento foi um privilégio e um alento por ver no Prêmio Abdias Nascimento o despertar de uma ação política que rompe barreiras e constrói novas etapas da luta pela igualdade racial. Coincidem as três ideias do início do texto com a militância de três pessoas que são ícones da Cojira-Rio (sem qualquer desdém à importância de outros membros): Angélica Basthi, Miro Nunes e Sandra Martins.
Parabéns!
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[Sionei Ricardo Leão é jornalista]