Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Língua, erro e os equívocos de leitura

Todo mundo é livre para discordar de todo mundo. É um direito mais do que garantido pela Constituição. No entanto, a questão vira problema quando as críticas são feitas com base numa leitura equivocada – ou porque leram mal ou porque não leram. Queria comentar alguns equívocos de leitura do último artigo nesse Observatório sobre a “Noção de erro na língua” que vi nos comentários e em alguns blogs e fóruns pela internet. Faço isso porque esse tem sido um tópico de repetidas incompreensões sobre a posição dos linguistas quando o assunto é falar “errado”.

Em nenhum lugar – nenhunzinho mesmo – alguém encontrará escrito em qualquer texto dos linguistas que a escola não deve ensinar a língua padrão. Podem procurar. Desafio a quem discorda apontar uma referência. No livro Por que (não) ensinar gramática na escola, a primeira das dez teses do professor Sírio Possenti afirma que o papel da escola é ensinar a norma padrão.

Os linguistas nunca propuseram que se deva ensinar os livro por um simples motivo: as pessoas já sabem falar assim. Quem já sabe de algo não precisa ser ensinado. É uma questão elementar de lógica. O que certamente qualquer leitor encontrará em Sírio Possenti e Marcos Bagno (para ficar com dois que acompanho) é que ensino do padrão será mais eficaz se não houver preconceito contra as formas não padrões. Ou que é mais fácil aprender o padrão sem passar pelas gramáticas (isso se faz em muitos países).

Esses dois pontos podem até ser questionados, claro. O que não é legítimo é fazer uma pessoa dizer que ela é contra o padrão unicamente porque reconhece o fato de que a gramática normativa é uma invenção da sociedade. O meu último texto não defende isso (não ensinar o padrão) em momento algum. As obras de Bagno, Possenti e o livro didático Por uma vida melhor também não. É só reler (ou ler, para os adeptos do “não li e não gostei”). Sim, porque não basta saber a gramática. É preciso também saber ler.

Os quatro “porquês”

Por algum motivo, que pra mim ainda é misterioso, o fato de alguém reconhecer formas não padrões da língua é lido como um ataque às formas padrões. Observo isso também em outros campos: alguns “Bolsonaros” acham que a defesa dos direitos dos homossexuais seja um ataque aos heterossexuais. Outros (esses, cientistas) afirmam que tratar das fraquezas da teoria da evolução é o mesmo que ensinar criacionismo. Vai entender.

Observar um fato, como o das línguas serem variáveis por natureza, não quer dizer que se vá escrever segunda uma variante que não foi escolhida como padrão para escrita. Sim, porque a língua escrita é apenas uma das variantes da língua, escolhida com critérios pra lá de subjetivos. Afinal, você já parou pra pensar por que se escreve herbívoro com H e erva sem H quando ambas são provenientes da grafia latina herba? Ou por que extraordinário é com X, mas estranho e estrangeiro com S, se o radical é o mesmo? Algum sábio pode me explicar por que o verbo é estender e o substantivo é extensão? Ora, isso acontece porque a sociedade quis assim e ponto.

Pensando bem, talvez devesse ser necessário ensinar hermenêutica na escola. Afinal, cada dia mais sou convencido de que ler e compreender um texto é mais importante do que saber conjugar verbos (por favor, não leiam “desimportante” onde escrevi mais importante). Certamente, um leitor incompetente encontrará bem mais problemas do que outro que sabe ler e compreender, mas não diferencia os quatro tipos de “porquês”.

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[Bruno Ribeiro Nascimento é mestrando em Pós-Graduação, João Pessoa, PB]