Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A gravidade do assunto trânsito

Tem sido tão grande a omissão da mídia brasileira diante dos acidentes de trânsito que mesmo quando tem a intenção de abordar o assunto com maior profundidade só consegue agregar confusão e hilaridade ao tema. Um bom exemplo disso é a reportagem, de autoria de Patrícia Campos Mello e Gustavo Hennemann, publicada pela Folha de S.Paulo na segunda-feira (26/12), um dia após o Natal.

A matéria, que foi manchete de primeira página da Folha, cai no vício tradicional da mídia brasileira de mostrar os acidentes pelas ocorrências em rodovias federais, ignorando, ao que parece, que estas são apenas uma ponta do problema e que costumam esconder uma realidade que é muitíssimo mais grave. Depois, a reportagem insiste em nos convencer de que devemos mudar o indicador dos acidentes – ao invés de considerarmos, como seria mais didático, o número de mortos/ano por grupo de 100 mil habitantes, passarmos a considerar o número de mortos para cada bilhão de quilômetros rodados pela frota nacional. Com esse indicador, o Brasil passa a ocupar uma posição no ranking mundial de acidentes de trânsito que, felizmente, ainda não atingiu.

Além disso, a reportagem fala em números – R$ 14,5 bilhões com acidentes em 2011, por exemplo – sem dizer de onde foram retirados, se é sabido que o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) calculou até agora as perdas ocorridas até agosto. O maior problema da reportagem é dar a entender que a causa principal dos acidentes de trânsito no Brasil é a precariedade do sistema viário, quando sabemos que mais de 90% dos acidentes são causados por “falha humana”.

Imprensa confunde mais do que esclarece

Resumo da ópera: a matéria da Folha torna um assunto simples, claro, em algo extremamente confuso e complicado. Fosse escrita, por exemplo, com base nos estudos estatísticos da Confederação Nacional dos Municípios, a reportagem iria nos mostrar com clareza absoluta que o Brasil figura numa área intermediária no ranking mundial de acidentes de trânsito. Produz em torno de 18 mortos/ano para cada grupo de 100 mil habitantes, o que é quase quatro vezes mais que o número de ocorrências letais de qualquer país desenvolvido (5 mortos/ano para cada grupo de 100 mil habitantes) e quase três vezes menos que o número de mortos de países subdesenvolvidos, que chegam a matar de 50 a 60 pessoas/ano para cada grupo de 100 mil habitantes.

Iria mostrar também que o estado brasileiro que mais mata no trânsito é Santa Catarina, onde ocorrem ao ano nada menos de 33 mortos para cada grupo de 100 mil habitantes. Ou que morrem no Brasil o absurdo número de 37 mil pessoas todos os anos em acidentes de trânsito e que as causas maiores desse morticínio são a imprudência, o excesso de velocidade e a associação álcool-volante, ocorrências permitidas por uma falta de fiscalização generalizada.

É uma pena, enfim, que a imprensa, ao invés de contribuir com didática e perseverança para a conscientização da sociedade da extrema gravidade que o assunto adquiriu, faça o contrário: confunda mais que esclareça, como se a roda ainda estivesse por ser inventada.

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[Dirceu Martins Pio é jornalista, ex-diretor da Agência Estado, da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]