Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Um mundo cheio de carros

Alguns sinaisde riqueza e de independência, ou de seus contrários, pobreza e dependência, podem ser observados também nos automóveis que os estadistas usam para se locomover e se exibir. O jornalista Leonídio Paulo Ferreira lembra hoje (19/12) no Diário de Notícias que Barack Obama, o número um do mundo, desloca-se em luxuoso Cadillac, fabricado nos EUA, naturalmente. Hu Jintao, o mandatário número um da China, usa uma limusine Hongqi, de tecnologia chinesa, claro. Angela Merkel troca de carro como de vestido. Ora, vai de BMW (1,5 milhões de carros em 11 meses), ora de Mercedes ou de Audi (essas duas marcas venderam mais de 1,19 milhões de carros cada uma). O antecessor de Angela Merkel, Gerhard Schroeder, só andava de Audi, com os quatro anéis lembrando seus quatro casamentos. Sua sucessora ainda está no segundo matrimônio e Merkel não é seu nome de família.

Bem, esses estadistas usam carro próprio, digamos assim, pois que feitos por seus próprios países. A maioria dos outros prefere carros deles. Talvez a Mercedes lidere a preferência dos pedidos de estadistas. Cristina Kirchner prefere Audi. Os chefes de Estado do Egito e da Índia deslocam-se em Mercedes.

Esses dados seriam apenas curiosidades, não fosse o seguinte: a indústria do automóvel é um pilar da economia mundial, especialmente da Alemanha, mas não há como ignorar que as ruas de todo o mundo estão cheias também de Toyota e de outras marcas asiáticas, onde também trafegam milhões de carros italianos.

Por que não emigra ele mesmo, o primeiro-ministro?

Mas quem é Angela Merkel? Esse Merkel é do ex-marido, Ulrich Merkel. O atual chama-se Joachim Sauer. Seu nome de batismo é Angela Doroteia Kasner. É filha de pastor e por isso acompanhou o pai quando este foi cuidar de uma paróquia na então Alemanha Oriental. Lá ela viveu até cair o muro, em 1989, e doutorou-se em Química. É uma política de centro, mas tem pressa: “Na Alemanha estamos sempre enfrentando o perigo da nossa própria lentidão. Temos que acelerar as reformas.” Isso, naturalmente, equivale a tirar direitos de trabalhadores, pois é assim que se conjuga o verbo reformar em todo o mundo. Para melhorar a vida dos trabalhadores, o verbo é outro, é necessário fazer uma revolução. O caso é que Angela Merkel está ao volante de um poderoso carro alemão. Estava em boa velocidade em 2010: a economia alemã cresceu 3,6%. Para este ano estava previsto um crescimento de 2,9%, mas a crise derrubou as previsões de 2012 para 1%.

E o Brasil? Esperemos que os políticos brasileiros não imitem os de Portugal, cujo primeiro-ministro aconselhou os professores qualificados a procurarem emprego em outros países. Como não são os professores que estão enterrando país, por que não emigrava ele mesmo, o primeiro-ministro? Será que algum país daria emprego a um político que quebrou o país dele? Ainda que bons professores sejam bem aceitos em todo o mundo, remunerá-los à altura de suas qualificações, é outro problema. Um carro é fabricado em pouco tempo. Um professor demanda quase meia vida para formar-se e não para de aperfeiçoar-se a vida inteira.

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[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor e um dos vice-reitores da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)]