Difícil imaginar um ano pior que 2011 para o Supremo Tribunal Federal. No entanto, é em 2012 que o tribunal será efetivamente posto à prova com a emergência do julgamento do processo do mensalão. Mais até que em 2009, quando um ministro (Joaquim Barbosa) acusou o outro (Gilmar Mendes) de ter “capangas” em Mato Grosso. O ano de 2009 foi sem dúvida inesquecível, mas as bordoadas trocadas internamente pelos ministros do Supremo estiveram longe de levar o país a uma “crise institucional”, conforme chegou a ser dito na época. O processo do mensalão é jogo de cachorro grande e o Supremo, no fim de 2011, revela-se fragilizado para enfrentar o desafio.
O ano que se inicia no próximo domingo é eleitoral. Mas antes de distrair a atenção da mídia e do Congresso, a eleição municipal deve ampliar o foco sobre o Supremo e tornar mais candente o julgamento. Em matéria de agenda, a do Supremo é a mais eletrizante, a menos que algum golpe de mão deixe as coisas no calendário da Justiça para as calendas. Passada a reforma do ministério, as agendas do Congresso e do governo não reservam maiores emoções. A do Legislativo é curta. A partir de junho, deputados e senadores só pensam em eleição. A agenda do Executivo é mais do mesmo, talvez com velocidade maior: monitorar a crise internacional, cercar a inflação e fazer a profissão de fé num crescimento econômico de 5%, até que as evidências demonstrem que, se ficar um pouco abaixo disso, pode estar de bom tamanho.
A eleição também será um momento crucial para o governo federal que, embora não esteja em julgamento nas urnas de 2012, não deixará de receber o resultado como uma referência para manter ou alterar cursos.
O caldeirão fervendo
O julgamento do mensalão, na prática, já começou e pegou o Judiciário, por meio de sua Corte máxima, numa crise. O Supremo é corporativo quando tenta limitar os poderes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ou quando deleta a memória de alguns figurões de toga. Por mais técnicas que sejam as razões apresentadas, a opinião pública sempre verá na decisão uma tentativa de escapar da fiscalização e do controle da sociedade. Há uma crise de hegemonia na atual composição do Supremo, o que não seria necessariamente um mal se a falta de consenso fosse efetivamente consequência de sólidas posições doutrinárias – o que é razoável –, e não fumaça de uma fogueira de vaidades, como às vezes parece. Muito se falou, nos últimos dois anos, em “judicialização da política”; talvez seja o caso de se prestar mais atenção à politização do Judiciário.
A Lei da Ficha Limpa foi só o último embate a expor a fratura do Supremo. Aprovada a toque de caixa por um Congresso acuado por uma opinião pública saturada com os malfeitos com a coisa pública, a lei foi aplicada por diversos tribunais regionais – e o TSE – já nas eleições de 2010, embora não fossem poucos os avisos de que mudanças nas regras eleitorais somente são válidas quando feitas um ano anos da eleição.
O Supremo deixou rolar e só arbitrou após a eleição. Nem é preciso dizer que havia vários candidatos barrados pelos TREs mas consagrados pelos eleitores. O resultado do julgamento foi um empate em cinco a cinco. Nomeado 11º ministro, Luiz Fux desempatou em favor dos que consideravam que a Lei da Ficha Limpa precisava estar aprovada um ano antes para ter validade nas eleições de 2010. Quem foi eleito e não assumiu, recorreu ao Supremo, que reconheceu o direito de todos mas empacou quando tratou do caso do ex-senador Jader Barbalho. Novo empate, até o presidente da Corte, Cesar Peluso, desempatar em favor de Jader e assim esvaziar um novo contencioso, desta vez com o PMDB. Resta ainda o Supremo dizer se a lei vale para as eleições de outubro deste ano, o que depende do voto da nova ministra Rosa Weber. Com o caldeirão fervendo, o presidente do Supremo ficou enfraquecido para negociar o aumento dos servidores do Judiciário.
Um histórico de incidentes com os colegas
Nas conversas com o PMDB, o ministro Ayres Brito demonstrou preocupação com os contenciosos do Supremo com os outros dois poderes da República. A cúpula do PMDB se comprometeu a ajudar na distensão. Ayres Brito toma posse na presidência do Supremo em maio.
O Supremo vai precisar de mais paz, menos holofotes e vaidades exacerbadas para julgar um dos principais processos da sua história. Afinal, o homem mais poderoso do primeiro mandato do governo Lula é acusado de haver montado uma quadrilha para comprar votos no Congresso. Os advogados da maioria dos acusados integram a primeira linha da banca. Não é uma tarefa simples. O Supremo não vai a lugar algum sem antes se recompor politicamente. A recomposição política do Supremo não quer dizer parcialidade no julgamento. Trata-se, isso sim, de acertar procedimentos para evitar que as suscetibilidades, de alguma maneira, contaminem o julgamento. O pronunciamento do Supremo, absolvendo ou condenando, deve ser inquestionável.
Os primeiros ensaios para o julgamento não oferecem razões para otimismo. O ministro Ricardo Lewandowski advertiu que alguns crimes do mensalão poderiam prescrever porque ele teria pouco tempo para revisar o processo. Ato seguinte, o presidente da corte, Cesar Peluso, enviou um ofício ao relator Joaquim Barbosa pedindo que ele colocasse o processo à disposição de todos os ministros. Barbosa reagiu como era esperado pelos advogados que atuam nos tribunais superiores: como se a declaração de Lewandowski fosse uma crítica pessoal a seu trabalho. Em resposta, deu a entender que se sentira cobrado pessoalmente e criticou o que chamou de “lamentável equívoco”, pois os autos do mensalão estão há mais de quatro anos digitalizados e acessíveis a todos os ministros do tribunal. Ainda alfinetou os demais ao dizer que há no STF processos bem mais antigos que o dos 40 mensaleiros.
Barbosa tem um histórico de incidentes com outros colegas do Supremo. Nesse ritmo, 2012 não será apenas o ano do Supremo, mas também o de protagonismo do primeiro ministro negro da história do Supremo Tribunal Federal. Algum tempo depois de tomar posse, ao comentar suas desavenças com outros ministros, ele mesmo alertou que não se deveria esperar dele a atuação de um “negro submisso e subserviente”.
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[Raymundo Costa é repórter especial de Política do Valor Econômico]