Renato Janine Ribeiro comentou em seu artigo no jornal Valor de segunda-feira (2/1, “Apurar até depois do fim”); Vladmir Safatle, no seu espaço na Folha de S.Paulo, na terça (3/1, “O inimigo da moral”); Maria Inês Nassif, na sua coluna do dia 22/12, quinta, no portal de notícias Carta Maior (“2011, o ano em que a mídia demitiu ministros. 2012, o ano da Privataria.”). Os três criticam a parcialidade da grande imprensa diante da corrupção no Brasil e como essa parcialidade, a despeito da impressão do combate à corrupção, não altera em absolutamente nada o panorama simplesmente porque a corrupção por ela denunciada é um subterfúgio para fazer proselitismo partidário disfarçado.
Maria Inês Nassif, em artigo na revista Interesse Nacional (nº 11, outubro de 2010), comentava o fato da chamada direita (PSDB-DEM), carente de base social, ter a grande imprensa – ou mídia tradicional, como ela prefere – como tal base, encabeçando os ataques ao governo Lula. Já no governo Dilma, diante do esfacelamento da oposição com o surgimento do PSD, à imprensa coube todo o papel de oposição ao PT: ela assume, então, claramente, ainda que de maneira não admitida, o papel de veículo partidário.
A tática utilizada no decorrer de todo o ano para tentar desestabilizar o governo Dilma, um governo que teoricamente começou fraco – pela primeira vez, o presidente era mais fraco que seu partido, como a própria Nassif assinalara quando Dilma ainda era uma possibilidade de candidata –, tratou de utilizar o que Renato Janine Ribeiro chamou de “tática de artilharia”: mirar um ministro por vez para derrubá-lo. O efeito, contudo, foi contrário ao esperado: Dilma conseguiu passar a imagem de intransigente com os corruptos, além de ter conseguido se tornar credora dos partidos da base aliada – como assinalou Nassif. Isso até o ministro-alvo ser Fernando Pimental, o primeiro da cota de Dilma.
Grande imprensa é seletiva
A princípio esse denuncismo parece benéfico, preocupado em combater a corrupção. A forma de agir, contudo, soltando denúncias a conta-gotas e sempre direcionando – exceção a Haddad, que sempre merece uma lembrança por não ter sido pego em caso algum de corrupção e por medo na oposição de perder a principal cidade do país –, é o primeiro sinal de que o interesse é outro.
Como em política, no Brasil, o suspeito é culpado até que se prove o contrário, uma campanha orquestrada pelos grandes veículos de massa tem um poder considerável. Entretanto, uma vez derrubado o alvo, logo a grande imprensa se volta para o próximo da lista, como se o caso estivesse encerrado: não tem qualquer preocupação em seguir com a apuração e confirmar se as denúncias são, de fato, procedentes, para, em caso afirmativo, mostrar quais os caminhos da corrupção – obra do sistema, e não de um pessoa individualmente –, ou, em caso negativo, em fazer um mea culpa pela reputação manchada.
Mas não é apenas de leviandade: como comentou Safatle, não há sequer simetria na apuração dos casos de corrupção: a grande imprensa é extremamente seletiva no que fala, no que cala, no quanto e quando fala. Ele lembra que o esquema do mensalão, que ficou grudado ao PT, teve início no governo PSDB.
A denúncia como disputa partidária
O assunto do momento é o livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., A privataria tucana, que, conforme Nassif, faz “denúncia fundamentada e grave” sobre o processo de privatização durante o governo tucano – cujo projeto político, junto com a redução do Estado, típico do receituário neoliberal, era criar uma burguesia moderna, “escolhida a dedo por uma elite iluminada, e tecida especialmente para redimir o país da velha oligarquia, mas em aliança com ela própria”. A tentativa de ignorar o livro, num primeiro momento e a campanha de desqualificação do autor, depois, mostram que não se trata de uma obra desprezível – sem contar que acabaram por fazer propaganda do livro, já esgotado.
O risco de um CPI a partir daquilo que o livro revela constrange a grande imprensa a moderar o seu apetite contra o governo Dilma: afinal, seu grande aliado nas últimas cinco eleições presidenciais, o PSDB, está no alvo, afora o fato de nunca se saber onde termina uma CPI – nem nós sabemos até onde se estende o quarto poder.
A conclusão dos três colunistas é basicamente a mesma: para combater a corrupção estrutural do Brasil não adianta fazer denúncias para derrubar ministros, ou encarar toda denúncia como disputa partidária: é preciso levar as investigações adiante, em busca do esquema que a move, e não das pessoas que se aproveitam dele – e fazê-lo sem coloração partidária necessária.
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[Daniel Gorte-Dalmoro é estudante, Campinas, SP]