“Silicone ruim, lições boas: As próteses adulteradas por fabricante francesa são caso de polícia, mas devem servir para lembrar que o aumento cirúrgico dos seios não é banal como uma ida ao cabeleireiro.” Assim a revista Veja começa a reportagem (de oito páginas) sobre o fato que rendeu matérias na imprensa durante toda a semana que passou. Mas enquanto os jornais se limitaram a entrevistar mulheres obrigadas a fazer o implante depois de uma mastectomia, Veja não descuidou o lado fofoqueiro ao publicar fotos de 40 atrizes/celebridades com seus novos “seios perfeitos”, enfatizando que “o exemplo vem de cima”.
Veja parece ter razão ao dizer que o procedimento não é banal como uma ida ao cabeleireiro. Mas poderia ter dito muito mais. A verdade é que nem a revista nem os jornais, que acabaram tratando o assunto como mais um caso de engano ao consumidor, estão devendo uma reportagem que vá além das estatísticas.
Por enquanto, o que as leitoras ficaram sabendo é que, no Brasil, 120 mil cirurgias de implante de silicone são feitas por ano, que 34.631 próteses da marca francesa PIP foram importadas pelo Brasil, que 10.680 foram apreendidas no Paraná e que o SUS vai operar de graça as mulheres que fizeram o implante devido à mastectomia (O Estado de S.Paulo, 8/1/2012).
Os jornais noticiaram também que existem nada menos que 12 mil mulheres brasileiras usando as próteses francesas. Mas, segundo o médico José Horácio Aboudib, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o silicone francês só é perigoso se o implante se rompe:
“Antes disso, o melhor é fazer um acompanhamento periódico. Indicar uma cirurgia desnecessária é um risco. Os problemas que as próteses podem causar são localizados e podem ser tratados. Não há justificativa para uma retirada por precaução.” (Folha de S.Paulo, 5/1/2012).
Mulheres reais
Em meio às denúncias de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não deu retorno às reclamações sobre próteses defeituosas, as consumidoras brasileiras devem estar se perguntando se as próteses nacionais são seguras e se, com estas, também não correm risco. E mulheres preocupadas não devem ser poucas, se levarmos em conta uma pesquisa divulgada pelo Ibope em2010. Naquele ano, a coordenação do XI Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica divulgou que…
“…em 2009 foram realizadas no Brasil 645.464 cirurgias plásticas, sendo 443.145 cirurgias estéticas (69%), das quais 158.711 usaram implantes de silicone nas mais diversas regiões do corpo, tanto homens quanto mulheres. O estudo constatou que o procedimento cirúrgico mais requisitado pelas mulheres é a colocação de silicone nas mamas. Tanto é que mais de 143 mil mulheres colocaram próteses mamárias no ano passado. A cirurgia de mama, em sua maior parte, foi de cunho estético, atingindo a marca de 91%. Enquanto as cirurgias reparadoras corresponderam a 9%.”
Nem as revistas nem os jornais discutiram o que deveria ser o verdadeiro tema das matérias: por que as mulheres se submetem a procedimentos cirúrgicos de risco (afinal trata-se de uma área muito sensível do corpo feminino), gastam um dinheiro que nem sempre está sobrando e fazem tudo isso sabendo que em dez anos, no máximo quinze, terão que passar por todo o processo novamente, já que os implantes não duram para sempre. Isso, se tiverem sorte e nada de errado acontecer nesse meio tempo.
Claro que as revistas noticiosas e os jornais têm mais o que fazer. Mas, e as chamadas revistas “femininas”, que se dedicam a tornar as mulheres mais seguras, mais felizes e mais bonitas? Por que se omitem? Nas revistas noticiosas, como Veja, a visão que a mídia tem das suas leitoras fica bem clara, quando se afirma que o “exemplo vem de cima”. “Em cima” estão atrizes de cinema, atrizes de TV e algumas celebridades que servem de modelo para a grande massa de mulheres insatisfeitas com seu visual. São as mulheres “reais”, a quem a revista Claudia de janeiro dedicou uma matéria de moda verão. As mulheres reais, pelo que se conclui das fotos, são mocinhas bonitas, peso certo, mas sem altura ou medidas de modelos de revista.
Leitoras fiéis
Como podemos esperar que as mulheres insatisfeitas com o visual (e isso vale para as mais jovens e mais velhas) consigam sobreviver à propaganda – não tão sutil – que deixa claro ser preciso ter corpo de top model para conseguir seus objetivos?
A imprensa feminina bem que poderia entrar no assunto de forma séria. Em vez dos famosos “antes e depois”, das matérias de beleza ensinando dietas milagrosas, truques de maquilagem para esconder tudo que é considerado imperfeição, está na hora de ajudar as mulheres a serem felizes com o rosto e o corpo que têm.
Não é o caso de acabar com a indústria da beleza ou da moda. Mas seria mais fácil para todas as mulheres (bonitas, feias, gordas, magras, altas ou baixas) se elas pudessem descobrir que dá para ser feliz do jeito que elas são. E a imprensa “feminina” bem que poderia ajudar nessa tarefa. Com toda a certeza, leitoras mais identificadas com as revistas seriam compradoras mais fiéis.
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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]