Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A demora no SUS virou notícia

Se as próteses estrangeiras não estivessem no noticiário, a imprensa nacional jamais contaria aos leitores que as filas para reconstrução de mama no SUS obrigam as pacientes a uma espera de muitos anos. A notícia está no Estado de S. Paulo [14/1], na matéria “Fila para cirurgias de reconstrução preocupa pacientes”. “A aposentada Loeny Menezes da Rosa, de 61 anos, esperou cinco anos na fila para conseguir fazer a cirurgia de reconstrução da mama pelo SUS. Ela descobriu o câncer em 2001 e só conseguiu reconstruir a mama em 2006. ‘O médico disse que se eu quisesse colocar silicone na hora, teria de pagar à parte. Naquela época eu não tinha como pagar, por isso decidi esperar. Entrei na fila de novo e só fui chamada em 2006’.”

Afirma o jornal:

“O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que 52 mil mulheres serão diagnosticadas com câncer de mama em 2012. E a Sociedade Brasileira de Mastologia estima que ao menos 20 mil delas precisarão fazer uma cirurgia de retirada das mamas, sendo que apenas cerca de 10% delas sairão do centro cirúrgico com a mama já reconstruída. Para Luciana Holtz, psico-oncologista e presidente do Oncoguia, o governo precisa deixar claro como vai organizar as filas das mulheres que precisam fazer mastectomia, das mulheres que precisam fazer a reconstrução e das que possuem próteses da PIP ou Rofil com problemas. Ela diz: ‘Nós entendemos que o centro cirúrgico é um só. E existem centenas de mulheres com câncer esperando de três a seis meses só para fazer a mastectomia. Para fazer a reconstrução, demora uns dois anos. Qual a urgência de trocar a prótese dessas outras mulheres? A fila será única ou separada?’”

A maratona de cirurgias

As perguntas da oncologista sugerem uma excelente pauta para os jornais, que por anos a fio desconheceram mais essa omissão do SUS, ou porque assuntos desse tipo só viram notícia quando envolvem escândalos ou porque os jornalistas não têm tempo para insistir em assuntos árduos. A confirmação da falta de tempo ou interesse pode ser verificada na mesma matéria do jornal, quando informa que “o Ministério da Saúde diz que não tem como informar quantas mulheres estão na fila de espera nem quanto tempo está demorando a cirurgia porque o gerenciamento das filas é descentralizado e é feito por cada estado e município”.

O Ministério pode até ter tentado encerrar o assunto com essa declaração, mas se o jornalista tivesse dado uma rápida pesquisada na internet, teria descoberto que cerca de 2 mil mulheres esperam pelo procedimento. Foi o que mostrou, no ano passado, o jornal Correio Braziliense [31/3/11]:

“Às 7h de ontem, foi dada a largada para a maratona de cirurgias de reconstrução de mama que operaram 61 mulheres em 12 horas, número quase equivalente às 70 feitas ao longo de 2010. É a primeira vez que um mutirão como esse é realizado no Brasil. Para garantir o sucesso nos atendimentos, o reforço veio de 17 médicos de fora do Distrito Federal. A experiência pretende ser piloto de um projeto que prevê iniciativa parecida em âmbito nacional, prevista para março de 2012 — serão beneficiadas cerca de 2 mil mulheres que estão na fila do Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, os bons resultados de ontem serão encaminhados para análise da presidente Dilma Rousseff.”

Um sério trabalho de reportagem

Resta ver se a imprensa vai continuar atenta ao assunto ou vai deixar cair no esquecimento. Como disse à Folha de S.Paulo [14/1] o cirurgião plástico Alexandre Mendonça Munhoz, do Hospital Sírio-Libanês, o problema provável é a sobrecarga do SUS: “O sistema não teria condições de atender ao aumento da demanda para cirurgia. Imagine se metade das pacientes tiverem de ser operadas nos próximos cinco anos, serão 6.000 pacientes a mais para um sistema que já está sobrecarregado.” Segundo o médico, somente no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, mais de 200 pacientes aguardam por cirurgia reparadora.

Será que as mulheres que continuam na fila do SUS, agora acompanhadas pelas novas pacientes, vão merecer da mídia a atenção que merecem? Ou vamos ter que esperar uma nova atitude da presidência para que o assunto volte a ocupar espaço nos jornais? Seria interessante, ao menos uma vez, ver a imprensa engajada num sério trabalho de reportagem para contar aos brasileiros como anda, afinal de contas, o Sistema Único de Saúde. Nesta e em todas as outras áreas que atende ou deveria atender.

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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]