Antes de qualquer coisa, quero lembrar que escrevo aqui para internautas. Digo isto porque “o internauta” é um público diferenciado, muito diferente do público só de televisão. Tenho certeza de que me farei muito melhor compreendido pelo primeiro público do que pelo segundo. De cara, faço a confissão de que não tenho mais paciência de assistir TV, com exceção de programas bem dinâmicos como reportagens diferenciadas, documentários, grandes “furos” ou transmissões ao vivo que nos fazem abandonar as panelas no fogão, como a cobertura dos atentados de “11 de setembro” ou coisa do tipo.
Mesmo nos primeiros casos, há a questão do horário. Prefiro assistir as reprises na internet, pois assisto na minha hora e não na hora do Boninho (da Globo), do Silvio Santos (SBT) ou do bispo Gonçalves (da Record). Eis aí uma pequena amostra da abismal diferença dessas duas mídias. Acredito que a TV terá ainda longos anos de vida, principalmente por causa do padrão de vida que limita o acesso à internet. Poderá até subsistir se remodelar-se e aprimorar em dispositivos do tipo pay per view, mosaicos em que o telespectador interfere na programação. Passou da hora de serem aprimoradas as interfaces com o telespectador para que ele participe mais da programação.
Outro dia assistia o Fala que eu te escuto, da Record, só porque vi os telespectadores entrando no ar via webcam – achei aquilo interessante e inovador. O que promove a concorrência, hein… Vejam bem que fui aculturado na era de ouro da TV (anos de 1980 e 1990) e a partir de século 21 encontrei outra mídia que conseguiu reunir um pouco de rádio, jornal, magazine e da própria TV, dando-me a oportunidade de interferir, participar e até estabelecer minha plataforma pessoal e comercial. Um adendo: sou um privilegiado por ter banda larga em casa, pois quem não tem ainda tem como referência o locutor “PR” da rádio da cidade ou os BBBs da Rede Globo, (sempre a Globo, e mudar de canal é um pecado, pecado como criticar o bispo Macedo dentro da Igreja Universal).
A internet é a mais democrática das mídias
E o que é a TV? Há dois teóricos que falam sobre ela de maneira muito interessante. Stuart Hall considera o perigo de sua representação verossimilhante da realidade. A crítica é tipo: nem sempre uma boa imagem, com bom áudio e uma transmissão ao vivo na TV diz a verdade sobre o fato. O que se vê ali não é a realidade, mas uma representação subjetiva da realidade. Até mesmo a direção da câmera, o enquadramento, a locução, a edição são subjetivos – há seres humanos controlando tudo aquilo. Pierre Bourdieu considera o que está por traz desta máquina poderosa. Quem controla a TV que controla a massa de telespectadores que recebe passivamente aquele conteúdo? O mercado é então apontado. Bourdieu critica sua influência, que se impõe sobre o jornalismo, sobre a reprodutibilidade da arte, do entretenimento e da formação de opinião, da cultura em geral. Há, diante da TV, presas fáceis, muitas vezes acríticas, prontas para serem manobradas e conduzidas na direção favorável aos interesses de quem as manipulam.
A internet é a maior revolução social e comunicacional que já testemunhei. O surgimento da imprensa com Gutenberg no século 15 foi muito marcante, o da fotografia, desde a sua evolução com experimentos com a câmara escura (Giovanni Baptista Della Porta, em 1558) até a primeira câmera desenvolvida pelo francês Joseph Nicéphore Niépce, em 1826, também foi revolucionário, o telégrafo, o rádio, o cinema, enfim, mas a internet conseguiu, além de reunir tudo isso, estabelecer o conceito do hipertexto, da grande rede, do online. Contudo, a maior parte do seu conteúdo e das suas relações é de nível ainda muito baixo no que diz respeito à emancipação cultural.
Há na internet muito volume de informações, há informações falsas, identidades adulteradas, relações líquidas (como salienta Bauman), muita ausência de credibilidade e um ambiente muito suscetível ao crime, tanto ideológico como material. No entanto, é nela que consigo vislumbrar a principal janela para a emancipação que citei há pouco. A internet é a mais democrática das mídias, é onde se têm mais oportunidades, é um espaço em que, ao contrário da TV, há mais multilateralidade. A prova do que falei está nas revoluções que a internet conseguiu provocar. Na TV, a última grande revolução política que vi ser catalisada por ela foi o Diretas Já!
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[Fernando Kelysson é comerciante e jornalista, Belo Horizonte, MG]