O jornalismo da chamada “grande imprensa” brasileira passa por uma crise multifacética. Em 2010, tornou-se nítida a campanha da imprensa oligárquica, durante as eleições presidenciais, em defesa do PSDB e seu candidato, José Serra. Em matéria coordenada por Ali Kamel, na Rede Globo, durante o Jornal Nacional, uma bolinha de papel foi transformada em uma espécie de atentado terrorista ao então candidato presidencial tucano. Este foi o ápice da campanha política da “grande imprensa” durante as eleições. Ainda coroada por tentativas de difamação contra a candidata do PT, Dilma Rousseff, pelo amplo espaço dado à verde Marina Silva – na tentativa de se retirar votos da candidata petista, bem como pela tentativa de silenciar ou mesmo excluir do debate o candidato socialista Plínio de Arruda Sampaio.
Destacam-se nesta militância fanática a Globo, a Abril, Folha e Estadão (este último ao menos se dignou a declarar publicamente apoio ao candidato tucano durante a campanha em editorial), que também foram os principais meios de comunicação de massas a apoiarem o processo de privatização ocorrido durante o governo FHC (1994-2002). Nos últimos anos, esta imprensa vem perdendo espaço e audiência, enquanto o uso da internet e suas redes sociais aumenta, colocando em perigo a então intocável hegemonia da mídia “tradicional”.
Se em 1989 a Globo foi capaz, no debate entre os presidenciáveis, de manipular as massas brasileiras contra Lula e consagrar Fernando Collor como presidente, hoje este quadro se inverteu. Apesar da tentativa de manipular as eleições em prol de José Serra, como no episódio da bolinha de papel, rapidamente a militância envolvida na eleição de Dilma Rousseff desmascarou o episódio em menos de 24 horas, dando a Lula condições inclusive de zombar da tentativa frustrada do candidato tucano, que ainda abusou do sensacionalismo de sua imprensa aliada realizando um exame tomográfico. Este episódio é emblemático de como as redes sociais capacitaram os “receptores” de informação a não só produzi-las, mas também desmistificar mentiras consagradas pelo jornalismo das oligarquias.
Monopólios oligárquicos
Entretanto, as demais emissoras e veículos de comunicação como Band, RedeTV! e Record não ficam atrás. Apesar das duas últimas estarem hoje mais alinhadas com o governo que as demais, são empresas ligadas a oligarquias e igrejas evangélicas, representando políticas e valores conservadores e/ou reacionários, atuando como porta-vozes das elites, do capital.
Falar em democratização da comunicação, indo à raiz desta ideia, significa a luta pela socialização da produção e do controle dos grandes meios de comunicação, isto é, emissoras de televisão, rádios, cinema, telefonia, internet e redações jornalísticas. Apesar do crescente uso das redes sociais e da decadência da chamada “velha imprensa”, a luta pela democratização das comunicações é mais urgente que nunca. Há urgência em se lutar para nos emanciparmos da propriedade privada dos oligopólios e dos monopólios transnacionais. Esta luta deve ser sempre rumo à socialização dos meios de comunicação.
No Brasil, como aludimos anteriormente, lidamos, por um lado, com as oligarquias da imprensa, que é comandada por seis famílias: Civita (Editora Abril), Marinho (Organizações Globo), Frias (Folha de S.Paulo), Saad (Rede Bandeirantes), Abravanel (SBT), Sirotsky (RBS). Por outro lado, lidamos com os grupos transnacionais das telecomunicações, como TIM, Oi, Telefônica (Vivo), Sky e NET. São 668 veículos em todo o país, 309 canais de televisão, 308 estações de rádio e 50 jornais diários, todos estes monopolizados pelas seis famílias. Por outro lado, o monopólio das telecomunicações oferecem serviços de baixíssima qualidade. Este é outro setor fabricado pela privataria tucana durante os governos de FHC, quando privatizou as telecomunicações a preço de alface.
Liberdade de expressão limitada
Mesmo do ponto de vista jurídico, esta monopolização oligárquica é uma afronta à Constituição brasileira e, infelizmente, foi mantida intacta durante os governos de Lula. Como já sinalizou o atual ministro das comunicações do governo Dilma, Paulo Bernardo (PT), estes monopólios continuarão em vigor com a total conivência federal.
O fato é que, apesar do alcance crescente, as mídias sociais ainda estão muito aquém do poder quase onipresente da mídia tradicional, em especial da televisão. Pode-se perceber isto observando os chamados trending topics do Twitter, que foi apelidado por alguns usuários como “Tv Topics”, já que a maior parte destes tópicos costumam ser repercussões de informações transmitidas pela televisão. Apesar da diminuição das tiragens dos jornais e do número de televisores ligados, a mídia tradicional ainda é a fonte primária de informação para boa parte da população e recebe rios de verbas dos governos lulistas, que são supostamente seus inimigos.
As tentativas de um processo maior de massificação da internet como o PNBL (Plano Nacional de Banda Larga) se mostraram inócuas ou mesmo foram desvirtuadas e entregues àquelas mesmas empresas que hoje controlam toda a mídia e a infraestrutura das comunicações. O muito comentado projeto idealizado pelo então ministro Franklin Martins durante o governo Lula foi engavetado antes de sequer ser debatido publicamente. Enquanto isso, o controle da mídia por parte dos principais grupos oligárquicos vem se acentuando cada vez mais e as empresas jornalísticas enxugam suas redações e precarizam os funcionários remanescentes.
Mesmo no único ambiente que proporciona uma imensa liberdade informativa, a internet, pese a forte presença de sítios e portais que são parte da mídia tradicional, existem pressões enormes e cada vez mais intensas para que a rede seja controlada e a liberdade de expressão seja limitada, visando a garantir sobrevida a uma indústria que cada vez mais perde força e espaço.
O poder das redes sociais
Iniciativas como as de ampliar o poder de organismos de direitos autorais (caso do Ecad, agência de arrecadação de música e direitos relacionados) e iniciativas para cadastrar usuários e monitorar suas atividades (parte do que se convencionou chamar de AI5 digital, lei proposta pelo então senador Azeredo, do PSDB de Minas Gerais) vão na contramão de um processo de democratização das comunicações e são, em parte, apoiadas de forma entusiasmada pelo governo e por diversos de seus representantes.
Hoje a luta pela democratização das comunicações não passa pelos tradicionais grandes partidos, nem pelo congresso, senado ou pelo governo federal, pois todas estas instâncias do poder do Estado brasileiro estão envolvidas com a manutenção e fortalecimento dos monopólios, seja com a conivência habitual, seja na articulação dos interesses das oligarquias. Será nas ruas que o povo brasileiro conseguirá impor uma verdadeira democratização das comunicações, do contrário, o que se discutirá sempre são remédios que não alteram em nada este quadro, como a “regulamentação da comunicação” proposta no último congresso do PT, que deverá manter intacta a estrutura do monopólio enquanto tenta adequá-lo às legislações específicas. Este é um falso debate, pois já tira do horizonte a verdadeira luta, que deve ser pelo controle social dos meios de produção de informação.
As redes sociais no Brasil possuem milhões de usuários, especialmente o Orkut e o Facebook, enquanto o Twitter, que possui menos usuários, também dá mostras de forças por seu potencial em difundir muita informação em pouco espaço tempo, em uma compacta linha do tempo, com cada mensagem de 140 caracteres, quase sempre acompanhadas de ligações para as informações na íntegra em sítios e portais.
Discussão, informação e compartilhamento
Entretanto, cabe lembrar, quem comanda estas redes sociais são empresas norte-americanas e seguem as diretrizes do reacionário governo estadunidense. Um exemplo das limitações das redes sociais são as censuras que ocorrem com opositores políticos. Já há centenas de casos de ativistas de diversas causas que tiveram removidos seus perfis arbitrariamente, ou de temas que simplesmente não aparecem nos principais tópicos do Twitter, como o WikiLeaks internacionalmente ou nacionalmente o livro A Privataria Tucana, para ficar somente em dois exemplos.
Se por um lado elas promovem a livre manifestação de ideias, por outra serve como a maior máquina de espionagem já criada, como disse o líder do WikiLeaks, Julian Assange. Se antes as agências de espionagem precisavam realizar complexos trabalhos de infiltração em meios sociais “dissidentes” da ordem capitalista, hoje a própria dissidência se faz online e pode ser monitorada.
A internet, que nasceu como instrumento de comunicação militar, é uma rede de controle, uma rede onde há vigilância constante, intrusiva ou não, de dados, conversas e todo tipo de comunicação. Mas, ao mesmo tempo, é o ambiente de maior liberdade de ação e com imenso potencial de penetração, podendo ser usada por ativistas como forma de subverter a ordem vigente.
A luta dos ativistas deve, em relação à internet, ser sempre por sua abertura, neutralidade e ampliação, com constante pressão pela garantia por parte do Estado de sua popularização, expansão da infraestrutura e garantia de qualidade, tendo assim, na rede, um ambiente livre para todo tipo de discussão, informação e compartilhamento.
Liberdade e democratização
Não restam dúvidas do potencial enorme que as redes sociais promovem na socialização de informações, chegando ao ponto de muitas vezes ser essencial para pautar a imprensa. O potencial é tão enorme que os governos em todo o mundo já trabalham para produzir leis que controlem (isto é, censurem) o conteúdo na internet, como já ocorre na China por exemplo. Nos Estados Unidos o governo Obama já trabalha na aprovação da lei Sopa (Stop Online Piracy Act) no Senado, que, com o pretexto de combater a pirataria de mídias (CDs de músicas, filmes etc.), dará ao governo sinal verde para a promoção de censuras, derrubadas de sítios e o fim da liberdade de compartilhamento de informações na rede mundial de usuários de computadores. No Brasil, iniciativas mais visíveis, como o projeto de lei do AI5 digital, e mesmo outras tentativas, sempre via projetos de lei, de censurar, limitar ou dificultar o acesso, a navegação e o compartilhamento (seja de ideias e ou de arquivos) colocam em constante perigo a liberdade de expressão e informação da população.
Como se vê, a internet e as redes sociais não se apresentam como uma alternativa às mídias tradicionais e nem deverá ser assim. O que está posto é a coexistência entre todas estas mídias, devendo sim oscilar o grau de utilização de cada uma delas.
Infelizmente, o que está posto em todas elas é o monopólio, tanto internacionalmente quanto em nosso país, enquanto os governos manobram para ter mais controle sobre a difusão de informação, que deverá se intensificar muito a partir deste ano. Nossa resposta só poderá ser lutar pela liberdade e democratização.
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[Lucas de Mendonça Morais é jornalista, tradutor e editor do Diário Liberdade]