Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aonde foram os empregos do iPhone

Não faz muito tempo, a Apple se gabava de seus produtos serem fabricados nos Estados Unidos. Hoje quase todos os 70 milhões de iPhones, 30 milhões de iPads e 59 milhões de outros produtos que a Apple vendeu no ano passado foram montados em outros países.

Em um jantar na Califórnia em fevereiro do ano passado, o presidente Obama perguntou a Steven P. Jobs, da Apple, por que esses empregos não poderiam voltar para os EUA. “Esses empregos não vão retornar”, Jobs teria respondido.

Não é apenas uma questão de os salários fora dos Estados Unidos serem mais baixos. Os executivos da Apple acreditam que a enorme escala das fábricas no exterior, além da flexibilidade, diligência e habilidade industrial dos operários estrangeiros, já superaram tanto suas contrapartes americanas que “made in USA” deixou de ser uma opção viável para a maioria dos produtos da Apple.

Um ex-executivo descreveu como a Apple pediu para uma fábrica chinesa modificar a produção do iPhone semanas antes de o aparelho chegar às lojas. A Apple tinha modificado a tela do iPhone no último minuto, exigindo uma revisão geral na linha de montagem. Novas telas começaram a chegar na fábrica à meia-noite.

Um chefe de seção acordou 8.000 operários nos alojamentos da companhia, de acordo com o executivo. Cada operário recebeu uma bolacha e uma xícara de chá e, meia hora depois, iniciou um turno de trabalho de 12 horas, encaixando telas de vidro em molduras chanfradas.

“Não existe fábrica americana capaz de fazer algo semelhante”, disse o executivo.

A Apple emprega 43 mil pessoas nos Estados Unidos e 20 mil em outros países. Muito mais pessoas trabalham para as empresas para as quais a Apple terceiriza funções: outras 700 mil pessoas trabalham como engenheiras e na fabricação e montagem de iPads, iPhones e de outros produtos da Apple. Mas quase todas elas trabalham para empresas com sede na Ásia, Europa e outros lugares, em plantas das quais todas as companhias de eletrônicos dependem para fabricar seus produtos.

“A Apple é um exemplo da razão pela qual é tão difícil gerar empregos para a classe média nos EUA hoje”, disse Jared Bernstein, que até 2011 era assessor econômico da Casa Branca. “Se ela representa o pico mais alto do capitalismo, precisamos nos preocupar.”

Histórias semelhantes poderiam ser contadas sobre outras companhias nos Estados Unidos, Europa e outras regiões. A terceirização tornou-se comum em centenas de setores, incluindo a contabilidade, os serviços jurídicos, o setor dos bancos, têxteis e farmacêuticos. Mas, embora a Apple esteja longe de estar isolada nesta tendência, ela oferece uma visão da razão pela qual o sucesso de algumas grandes empresas não vem se traduzindo em número expressivo de empregos no país de origem dessas companhias.

“Antigamente as empresas sentiam a obrigação moral de apoiar os trabalhadores americanos, mesmo quando isso não era a opção financeira mais acertada”, comentou Betsey Stevenson, que até setembro passado foi economista do Departamento do Trabalho dos EUA. “Isso deixou de existir. Os lucros e a eficiência falam mais alto que a generosidade.”

Executivos da Apple dizem que o sucesso da empresa beneficiou a economia americana, por empoderar empreendedores e gerar empregos. “Não temos a obrigação de resolver os problemas dos EUA”, disse um executivo da Apple. “Nossa única obrigação é criar o melhor produto possível.”

Conseguindo os empregos

Alguns anos depois de a Apple ter começado a produzir o Macintosh, em 1983, Steve Jobs afirmou que este era “uma máquina fabricada na América”. Mas, em 2004, quase todas as operações da Apple eram feitas fora do país.

A Ásia era atraente porque sua mão de obra semiqualificada era barata. Mas não foi isso que levou a Apple a apostar na Ásia.

O foco sobre a Ásia “deveu-se a duas coisas”, disse um ex-executivo da Apple. As fábricas na Ásia “conseguem aumentar ou diminuir a escala de produção em menos tempo” e “as cadeias de fornecimento asiáticas já superaram o que existe nos Estados Unidos”.

Essas vantagens ficaram evidentes em 2007, assim que Jobs, insatisfeito com o fato de as telas de plástico do iPhone ficarem riscadas, exigiu telas de vidro.

Os fabricantes de celulares vinham evitando usar vidro, havia anos, porque o vidro requer grande precisão no corte e moagem, algo extremamente difícil de conseguir. A Apple já tinha escolhido uma companhia americana, a Corning Inc., para manufaturar vidro reforçado. Mas para descobrir uma maneira de recortar as chapas de vidro em milhões de telas de iPhones seria preciso encontrar uma planta de corte de vidro desocupada, centenas de chapas de vidro para usar em experimentos e um Exército de engenheiros de nível médio.

Então uma fábrica chinesa se candidatou a fazer o trabalho.

Quando uma equipe da Apple visitou a fábrica chinesa, seus proprietários já estavam construindo uma nova ala, “caso vocês nos dêem o contrato”, disse o gerente. O governo chinês tinha concordado em subsidiar custos de muitas indústrias, incluindo os dessa fábrica de corte de vidro. Ela tinha um galpão cheio de amostras de vidro disponíveis gratuitamente para a Apple. Os donos disponibilizaram engenheiros a custo quase zero. Eles já tinham construído até dormitórios no local.

A fábrica chinesa ficou com o contrato.

Vantagens chinesas

A oito horas de carro da fábrica de vidro fica um complexo, conhecido como Foxconn City, onde o iPhone é montado. O lugar tem 230 mil empregados, muitos dos quais trabalham seis dias por semana, 12 horas por dia. Mais de um quarto da força de trabalho da Foxconn vive em alojamentos coletivos da empresa, e muitos operários recebem menos de US$ 17 por dia.

Em meados de 2007, segundo o ex-executivo da Apple, depois de os engenheiros da Apple terem aperfeiçoado um método de corte de vidro reforçado para que ele pudesse ser usado na tela do iPhone, os primeiros caminhões carregados com o vidro chegaram à Foxconn City no meio da noite. Foi quando os gerentes acordaram milhares de operários para que montassem os celulares.

Em comunicado à imprensa, a Foxconn Technology contestou o relato do ex-executivo e escreveu que um turno que começasse à meia-noite seria impossível, “porque temos regulamentos rígidos relativos aos horários de trabalho de nossos funcionários”. A Foxconn disse que os turnos começam ou às 7h ou às 19h e que os empregados são avisados com pelo menos 12 horas de antecedência sobre quaisquer mudanças na programação. Empregados da Foxconn contestaram essa declaração.

A Foxconn possui dezenas de fábrica na Ásia, no leste da Europa, no México e no Brasil. Ela monta estimados 40% dos eletrônicos para consumidores de todo o mundo, e tem clientes como as gigantes Amazon, Dell, Hewlett-Packard, Motorola, Nintendo, Nokia, Samsung e Sony.

Os executivos da Apple tinham estimado que precisariam de cerca de 8.700 engenheiros industriais para o projeto do iPhone. Os analistas da empresa tinham previsto levar até nove meses para encontrar tantos engenheiros nos EUA. Na China, levou 15 dias.

Vários analistas estimam que, se fossem pagos salários americanos, o custo de cada iPhone aumentaria em US$ 65. Mas fabricar o iPhone no país exigiria muito mais que apenas a contratação de americanos: exigiria transformar as economias nacional e global. Os executivos da Apple acreditam que os EUA não possuem as fábricas e os operários que seriam necessários.

Empregos para a classe média minguam

Eric Saragoza entrou na unidade manufatureira da Apple em Elk Grove, Califórnia, pela primeira vez em 1995, e a fábrica perto de Sacramento empregava mais de 1.500 trabalhadores. Saragoza, que é engenheiro, integrou uma equipe de elite de diagnóstico. Seu salário subiu para US$ 50 mil ao ano.

Alguns anos depois de Saragoza começar no emprego, seus patrões explicaram que o custo de fabricação de um computador de US$ 1.500 em Elk Grove era de US$ 22 por aparelho. Em Cingapura, era de US$ 6. Em Taiwan, US$ 4,85.

Algumas das tarefas realizadas em Elk Grove foram transferidas para o exterior. Depois disso, foi a vez de Saragoza. Um dia em 2002, depois de concluir seu turno, ele foi convocado para uma salinha, demitido e escoltado para fora do prédio da empresa.

Depois de alguns meses, procurando trabalho para sustentar sua família de sete pessoas, Saragoza começou a se desesperar. Então aceitou um emprego para verificar iPhones e iPads devolvidos. Por US$ 10 a hora, sem benefícios, esfregava milhares de telas de vidro. Depois de dois meses ele se demitiu. O salário era tão baixo que valia mais procurar outros empregos.

Uma noite, enquanto Saragoza enviava currículos on-line, do outro lado do mundo uma mulher chegava ao escritório. A funcionária, Lina Lin, é gerente de projeto em Shenzhen, China, da PCH International, que tem contratos com a Apple para produzir acessórios, como os estojos que protegem as telas de vidro do iPad.

Lin ganha um pouco menos do que a Apple pagava a Saragoza. Todos os meses ela e seu marido colocam um quarto de seus salários no banco. “Empregos não faltam em Shenzhen”, disse Lin.

Segundo economistas, uma economia em dificuldade pode ser transformada por fatos inesperados. Por exemplo, a última vez em que analistas arrancaram seus cabelos por causa do desemprego nos EUA foi nos anos 1980 e a internet mal existia. O que ainda não se sabe é se os EUA serão capazes de aproveitar as inovações do futuro para gerar milhões de empregos.

***

[Charles Duhigg e Keith Bradsher, do New York Times]