Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Integrar as lutas pela comunicação é essencial

O III Fórum de Mídia Livre, realizado nos dias 27 e 28 de janeiro em Porto Alegre, paralelamente ao Fórum Social Temático 2012, não é um evento fácil de definir. Para começar, não existem palestrantes ou painelistas, mas desconferencistas. A palavra é aberta para quem achar que pode contribuir com os debates, e as pautas surgem naturalmente, a partir das manifestações de cada um. E é assim, com naturalidade, que fica claro o quanto os movimentos sociais têm em comum na luta pela democratização da comunicação. Dessa gama de ideias e opiniões, surge o ponto de convergência, originando uma das principais propostas formuladas no evento: unificar os movimentos em torno de suas reivindicações comuns. Feito isso, surge a segunda grande proposta, a de levar essa luta para as ruas.

Envolver as pessoas na luta pela democratização da comunicação também foi um objetivo recorrente, citado pelos desconferencistas. Renata Mielli, integrante do Centro de Estudos Barão de Itararé e da Executiva Nacional do FNDC, lembrou que para os movimentos envolvidos com a causa, falar nisso é parte do cotidiano, e compreender a comunicação como direito universal é algo natural.

O desafio, contudo, é fazer esse debate chegar a todos os setores sociais. “A mídia é, muitas vezes, compreendida como instrumento, não como espaço de luta política e estratégica. É essa percepção que temos que modificar”, afirmou. Ela lembrou, ainda, que a mídia livre exerce um papel importante na democratização, uma vez que é um espaço de produção de comunicação e cultura à margem dos grandes monopólios midiáticos.

Semelhanças devem falar mais alto que divergências

A jornalista britânica Sally Burch, da Agência Latinoamericana de Informação – Alai, que dividiu a mesa com Renata, levou a discussão a uma esfera maior, uma vez que a agência está em contato com diversos países da região, tendo sede no Equador. Para ela, a mobilização dos movimentos sociais dentro de cada país é importante, mas a articulação em nível regional também deve ser pensada. “Em poucos países da América Latina a discussão em relação à democratização da comunicação é ampla. Precisamos, ao menos, nos igualar à Argentina, que já deu um passo à frente”, constatou, referindo-se à Ley de Medios. A jornalista lembrou, ainda, que ao contrário do imaginário construído em torno da América Latina – com grande influência dos meios de comunicação – os governos não são a maior ameaça à liberdade de expressão, mas sim os conglomerados midiáticos. “A comunicação é um direito, o que precisamos é converter esse direito em leis concretas”, complementou.

Das diversas manifestações proferidas pelos desconferencistas, destacaram-se as referentes à unificação dos movimentos sociais e o objetivo comum de democratizar a comunicação. Eles argumentaram que, para fortalecer a luta, as semelhanças devem falar mais alto do que as divergências.

Preparação para a Rio + 20

O blogueiro Altamiro Borges, presidente do Barão de Itararé, propôs um “encontro dos encontros” para debater as pautas em comum, ideia que surgiu por diversas vezes ao longo do evento. Levar o debate para as ruas e envolver a população também foi apontado como prioridade.

O Fórum ainda tratou de diversos outros temas, tais como a capacitação da população para lidar com as novas ferramentas comunicacionais, a importância das rádios comunitárias e o Movimento 15 de Maio, da Espanha, entre outros.

A jornalista Rita Freire, da Ciranda, uma das entidades que participa da articulação do evento, destaca que o diferencial do Fórum é a capacidade de congregar os mais diferentes temas e promover discussões em diversas áreas. O próximo desafio da mídia livre, segundo ela, é preparar-se par a Rio + 20, onde o debate se voltará para o desenvolvimento sustentável.

Alternativas de comunicação

A compreensão de que a democratização dos meios de comunicação é essencial para a construção da real democracia social foi a tônica do debate Resistência à crise, novos meios e alternativas de comunicação, que ocorreu durante o Fórum Social Temático 2012, em Porto Alegre-RS.

Realizado a partir da parceria entre Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Agência Latinoamericana de Informação – Alai e Associação Latinoamericana de Educação Radiofônica – Aler, o encontro discutiu o papel da comunicação no atual cenário de crise capitalista. Participaram do debate a coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Rosane Bertotti, Osvaldo León, representando a Alai, e Judith Gerbaldo, da Aler, com a mediação de Renata Mielli, do Barão de Itararé.

Rosane destacou a importância do FNDC como articulador na democratização dos meios de comunicação e assinalou como essencial a discussão do tema em sua dimensão pública. No contexto das revoluções articuladas por meio das redes sociais, a coordenadora ressaltou a importância das mídias e, mais do que isso, a necessidade de que haja democracia em sua distribuição. “Não adianta falarmos do papel das novas mídias, se quem está lá na ponta – na periferia, no campo – não tem acesso a elas”, ponderou.

O empoderamento dos agentes sociais por meio da comunicação também está no centro das discussões da Aler. “Percebemos que tínhamos que tratar a informação como um direito humano internacional”, explicou Judith. Para ela, tornar a palavra pública é uma forma de legitimar os setores invisibilizados da sociedade, em grande parte ignorados pela grande mídia. A Aler encara a comunicação como um espaço que atravessa e constitui os momentos sociais, e que pode – e deve – partir de dentro deles, em vez de ser visto como algo externo.

A integração entre os países da América Latina – um dos objetivos do evento – marcou a fala de Osvaldo. Ele afirma que há iniciativas para democratizar os meios na região, mas que falta intercâmbio entre elas. “Temos que tomar coragem para abrir espaço e pressionar os governos nessa direção”, declara. O encontro foi, por si só, um passo a mais rumo a essa integração, no qual prevaleceu a troca de experiências entre representantes de diversos países, mirando um objetivo comum: um outro mundo possível.

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Conexões Globais revisam o papel da tecnologia na vida das pessoas

A Casa de Cultura Mario Quintana, no centro de Porto Alegre, recebeu entre 25 e 28 de janeiro o Conexões Globais, evento paralelo ao Fórum Social Temático. A programação variada trouxe diversas personalidades para debater um tema tanto amplo quanto instigante: o papel da tecnologia na vida das pessoas.

O Diálogo Global – como se chamaram os painéis – também abordou o tema Da Primavera Árabe à Internet na Construção da Democracia 2.0, que reuniu o ex-ministro Gilberto Gil, o jornalista Antônio Martins, criador de Le Monde diplomatique Brasil e do site Outras Palavras, e o secretário-chefe de gabinete do Ggovernador e coordenador-geral do gabinete digital do governo do Rio Grande do Sul, Vinicius Wu, além da presença, online, da jornalista Olga Rodriguez.

Gil alertou os presentes: faria uma filosofia popular – e um tanto complexa. Para o ex-ministro da Cultura, a Primavera Árabe deixou de ser árabe e tornou-se global. “Os desejos de emancipação, tanto no Oriente quanto no Ocidente, sempre estiveram presentes e foram extravasados por meio das redes sociais”, disse. E destacou que os movimentos globais surgidos nesse contexto, no entanto, se opõem a apenas parte do sistema. Para Gil, é difícil definir, hoje em dia, o que está ou não inserido nesse sistema. “Temos que pensar no futurível, no futuro possível”, afirmou Gil.

Para Wu, as mudanças no século 21 não foram criadas pela internet, mas aceleradas por ela, e as pessoas não foram modificadas pela tecnologia, mas pelo ambiente criado por ela. “Mesmo a sensação de estar vivo é diferente nesse século”, afirmou o secretário. Em um momento histórico, em que as instituições e a representatividade são constantemente questionadas, Wu aponta a necessidade de se acompanhar o processo de mudança. “O poder na pós-modernidade é extra-territorial, enquanto nossos procedimentos democráticos – como o voto, por exemplo – ainda são presos ao território”, constata, explicando um dos cernes da crise de representação. Ele define a democracia atual como compartilhada e de transparência, condenando à obsolescência as instituições incapazes de acompanhar essa mudança.

Para o jornalista “pós-jornal” – como se define Antônio Martins – a sociedade está rejeitando as ideias de que a política se faça a cada dois ou quatro anos, ou de que a representação seja a única forma de democracia. Ele aponta que, mais do que nunca, a transformação social não pode ser delegada – e destaca o papel das tecnologias no processo de democratizar a comunicação. “A questão, agora, não é falar mal da imprensa, mas sim, de construir uma nova comunicação”, defendeu. A manifestação popular, mais do que nunca, ganha força e dá visibilidade a questões que, sem as redes sociais, poderiam ser – e muito provavelmente seriam – ignoradas. (M.S.)

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[Márcia Schuler, do FNDC]