Sendo uma espécie de não tempo, o Carnaval escondeu o dia 19 de fevereiro, em que Alberto Dines completou seus oitenta anos. Coincidimos, ele e eu, no ano de nascimento, no tempo de carreira e em alguns anos de trabalho nos mesmos veículos. Estivemos juntos na velha Manchete, ainda na Frei Caneca, no Jornal do Brasile na Folha de S.Paulo. Duas coisas, além de muitas outras, fazem-me admirá-lo e respeitá-lo, à margem de sua competência profissional.
Uma delas é a independência de julgamento. Como se sabe, há o mito de que o jornalista deve ser imparcial, o que é uma mentira. Não há ato humano que seja imparcial. Ser é escolher, é tomar partido. A conduta ideal de um jornalista, como, de resto, de qualquer ser humano, é a independência de julgamento. Ele deverá, diante dos fatos e das ideias, decidir conforme a sua Weltanschauung, visão própria do mundo, sem se curvar às seduções menores.
A outra virtude de Dines é o profundo respeito às ideias alheias, conforme as suas convicções democráticas. Nunca ouvi de Dines, em qualquer momento de sua vida, restrições a quem quer que fosse. Ele sempre me pareceu pertencer ao clube dos que só são intolerantes com a intolerância. Daqueles que só se sentem à vontade na defesa de suas ideias, porque acham natural que outros pensem de forma diferente.
Na direção da redação do Jornal do Brasil, a sua coragem foi provada em vários episódios, no jogo da inteligência contra a censura, como ocorreu quando do AI-5 e do golpe contra Allende. Tendo a censura proibido que a traição criminosa de Pinochet fosse a manchete do dia, o jornal simplesmente a suprimiu e narrou, em corpo destacado e corrido, o fato. A “não manchete” foi a notícia inteira como o título principal da edição.
Pleno acordo
É impossível imaginar a vida de Alberto Dinesfora do jornalismo, seu único ofício. E é mais difícil ainda pensar o jornalismo brasileiro dos últimos sessenta anos, sem sua presença. Na Cena Muda, na Manchete, ao lado de Nahum Sirotský; em Fatos e Fotos; na Última Hora; no Diário da Noite; no Jornal do Brasil;na Folha de S.Paulo; na direção de revistas da Editora Abril em Lisboa; e hoje, no Observatório da Imprensa, Dines não foi, nem é, mais um; foi e é sempre uma personalidade destacada. Ele se afirma pela capacidade de liderança, pela afetuosidade no convívio com os outros, na dedicação quase patológica ao trabalho.
A vida moderna – conforme a máxima de Carlito Maia, e que gosto de repetir – “separa os amigos e junta os bandidos”. Temos nos visto pouco, e quase por acaso, em encontros rápidos nos aeroportos. Mas é sempre agradável encontrá-lo. A ele devo decisivas manifestações de solidariedade em momentos difíceis da vida, em razão de minhas escolhas políticas. Ele sempre as respeitou, ainda que nem todas fossem exatamente as suas.
Em nossa profissão, a vaidade costuma levar alguns a atos menores a fim de manter os próprios espaços. Dines sempre se distinguiu em reconhecer o talento e a capacidade de trabalho dos colegas, e ajudá-los na carreira, sem qualquer preocupação a não ser com o desempenho da equipe.
Recordo-me de um jantar, em Roma, há mais de 40 anos. Éramos Dines, Francisco Pedro de Araújo Netto e eu. Ao sairmos do restaurante, Dines se atrasou um pouco, diante de uma vitrine iluminada, e Araújo resumiu tudo com uma só frase:
“Esse Dines é um bom companheiro e ótimo amigo, você não acha isso”?
Continuo plenamente de acordo com Chico Pedro.
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[Mauro Santayana é jornalista]