Ouço muitos falarem sobre a liberdade de imprensa de maneira equívoca. Alguns de meus colegas sempre se indignam a falar de tal tema, pois para eles a liberdade de imprensa é a liberdade do patrão. Um grande jornalista que esse país teve compactuava de tal visão. Abramo (1988, p. 116) declarou: “A liberdade de imprensa só é usada pelos donos das empresas. Em quarenta anos de jornalismo, nunca vi liberdade de imprensa. Ela só é possível para os donos do jornal. Os jornalistas não podem ter opinião.” Para entender a tal liberdade de imprensa, é necessário separá-la da liberdade de expressão que, ao menos constitucionalmente, todos têm direito, inclusive o jornalista.
Resumir a liberdade de imprensa à “liberdade patronal” e dizer que jornalista não tem o direito de usá-la é um pecado, principalmente cometido por aqueles que deveriam saber a definir a liberdade que rege a imprensa. É claro que em um país no qual a maioria das concessões públicas de radiodifusão pertence a políticos profissionais, falar em liberdade é meio que uma contradição. Mas vale ressaltar que a liberdade de imprensa não é, e nunca foi, o direito do jornalista falar e/ou escrever o que bem entende.
O que caracteriza a liberdade de imprensa é o público. É deste o direito da liberdade de imprensa e da multiplicidade de informações e formas de divulgação que só um país, onde não há censura prévia, pode-se dar o direito. A liberdade de imprensa é um direito constitucional que garante a veiculação de uma pluralidade de ideias, além de ser um dos alicerces dos Estados democráticos está ligado ao direito à informação que o público tem. Falar o que quiser, xingar o presidente e os políticos em geral, está relacionado com a liberdade de se expressar.
Liberdade positiva e negativa
Por isso, quando Gilmar Mendes justificou seu voto contra a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, o magistrado cometeu um erro infantil ao abordar as liberdades de imprensa e expressão que todos têm direito de exercer. Vale ressaltar que os que nunca publicaram artigos ou reportagens nos veículos de comunicação continuam exercendo sua liberdade de expressão ao conversar somente com os familiares e amigos. A liberdade, que para o ministro do Superior Tribunal Federal (STF) iria ser ampliada sem a exigência do diploma, continua a mesma liberdade de expressão na imprensa e na mídia, restrita aos jornalistas e aos poucos privilegiados em usá-la. Ao evocar o direito constitucional da liberdade de imprensa para justificar um voto viciado, o ex-presidente do STF desvalorizou o valor da mesma, além de confundir as liberdades.
Porém, quem mais se confunde ao evocar a liberdade de imprensa é o próprio jornalista. De acordo com Marcondes Filho (2009), o jornalista se esconde das críticas evocando um valor incontestavelmente maior, por acreditar que ao ser criticado e exigido a ter uma postura mais ética há uma verdadeira afronta à liberdade de imprensa. Apesar disso, o jornalista tem direito a convocar a liberdade de imprensa a seu favor quando do argumento de que a informação é de interesse público, logo seu trabalho não pode ser cerceado, pois no livre exercício da profissão o jornalista está resguardando o direito da sociedade em ser informada.
Segundo Traquina (2009), existem dois tipos de liberdade, as negativas e as positivas. Creio que a principal diferença entre as liberdades negativa e positiva resida no momento em que há um comodismo por parte dos meios. Por exemplo, no livro O estudo do jornalismo no século XX, Nelson Traquina cita uma linha da primeira Emenda norte-americana que diz: “O congresso não aprovará nenhuma lei”, fato esse, que deixa jornalistas, de certo modo, relaxados para muitos fatos que serão transmitidos ao público. Se seguirmos o restante da frase da 1ª Emenda, ela diz “restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa”. Podemos constatar que, assegurado pela Constituição, nenhum fato será censurado, mesmo o mais sensacionalista. Creio que o perigo da liberdade negativa, esteja aí. No conforto que a lei permite ao jornalista que não tem compromisso com a sociedade e que usa a lei para cometer “crimes” em determinados fatos.
Dignidade e direito à informação
A liberdade positiva, pegando o mesmo trecho da Constituição norte-americana, é referente aos meios de comunicação que não sofrerão qualquer tipo de censura, podendo transmitir as notícias tal qual elas aconteceram; Dando subsídios suficientes para o cidadão formar sua opinião, ou seja, informando de forma “justa e significativa”. O autor cita em um dos capítulos do livro (“Quem vigia o Quarto Poder”) uma frase do juiz da Suprema Corte norte-americana, Evan Hughes: “O fato da liberdade de imprensa poder ser abusada por perversos fornecedores de escândalos não torna menos necessária a imunidade da imprensa […].” Creio que essa frase define bem as liberdades negativa e positiva.
Baseado em tal teoria, a imprensa necessita mais da liberdade positiva, mesmo que alguns, talvez muitos, cometam ‘crimes’ contra a sociedade. Mas não somente a imprensa comete erros contra o povo. Há ocasiões, em que o Estado, através do Judiciário, ao proibir a publicação de um livro, periódico ou de uma reportagem assassina a liberdade positiva de imprensa. Por exemplo, o caso de censura o jornal Estado de S. Paulo, em 2009, na qual o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) proibiu a publicação de qualquer reportagem referente à Operação Faktor, conhecida também como “Boi Barrica”, através de um recurso apresentado pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A censura prévia permanece até hoje (janeiro de 2012) e com o consentimento do poder Executivo e principalmente o legislativo.
Por fim, há casos em que os próprios jornalistas praticam a liberdade negativa de imprensa. Quando metem, incriminam sem prova e mesmo com provas cabais – e esse não é seu papel; quando abusam de seu “poder” e se juntam a políticos e seus interesses particulares. Porém, nada é mais bonito que ver um jornalista lutar pela liberdade de imprensa, arriscando seu emprego, em busca de sua dignidade e do direito à informação do público, mesmo que somente nos cinemas.
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[Bruno Rebouças é jornalista, Santos, SP]