“Se as mulheres hoje estão avaliando sua felicidade sob muitos aspectos (trabalho, casamento, casa, filhos) em comparação a poucos fatores na década de 1970, é mais provável que elas sintam que estão fracassando em pelo menos alguns domínios”, escreveram Dwyer Gunn, editora do blogFreakonomics, doThe New York Times,e Betsey StevensoneJustin Wolfers,professores da Wharton School da Universidade da Pensilvânia. E acrescentaram: “Será o movimento feminista de alguma forma responsável pelo declínio no bem-estar relativo das mulheres? Talvez ir todo dia para o trabalho e a universidade esteja na realidade deixando que se sintam péssimas? Se fosse esse o caso, esperaríamos tendências diferentes no bem-estar das mulheres que trabalham em casa, e não no mercado. Mas as tendências são semelhantes para esses dois grupos”. É o que se lê em artigo publicado em número especial de Veja, em maio de 2010.
O tema vai e vem na mídia. Aqui, uma variante do tema, o teletrabalho, foi tratado assim:
“O teletrabalhador passa mais tempo com a família, participando em responsabilidades como as compras ou a educação dos filhos. Adicionalmente, a sua presença em casa não o condiciona a alterações significativas no ambiente doméstico quando efectua uma mudança de emprego. Participação na comunidade local: o facto de passar mais tempo na mesma área, leva o teletrabalhador a ficar mais consciente dos recursos existentes na sua autarquia e também das formas como pode participar em actividades locais. Horário flexível: cada pessoa tem um ritmo próprio para trabalhar e a independência que este tipo de trabalho permite leva muitas vezes a uma maior satisfação e rapidez de execução das tarefas.”
Há também indícios deuma leve tendência das mulheres a ficarem mais em casa, ocupando o lugar clássico que suas avós e mães cumpriram em passado recente. Apesar de trabalharem também fora de casa, voltam a ser esposas e mães, o que agora pode ser aprimorado com o teletrabalho, o trabalho feito à distância, à semelhança do ensino à distância.
São as mães, principalmente, que estão percebendo que estavam perdendo, não apenas os maridos – uma leve tendência a relações menos instáveis igualmente podem ser notadas –, mas também os filhos, para elas mesmas. Divórcios, separações e outros casamentos alteraram a velha estrutura familiar. Os que se descasaram, logo se casaram de novo, com outros parceiros. E a seguir se separaram outra vez, por motivos semelhantes aos anteriores. Sem que as causas fossem corrigidas, os efeitos voltaram a ocorrer.
Parafernália eletrônica
Os EUA estão na ponta de tudo o que acontece de novidade no mundo. Os americanos têm o mais recente modelo de celular, de computador, de geladeira, de micro-ondas, de fogão, de lavadora de roupa, de carro etc. E de usos e costumes, também.
Como se sabe, um dos efeitos dos divórcios é a demanda pelo dobro de quase tudo: carro, móveis, eletrodomésticos, imóveis. Afinal, quem casa, não apenas quer casa, como precisa de casa, própria ou alugada. E de tudo o que é necessário ter dentro dela para o dia a dia. Algumas roupas do casal são partilhadas: lençóis, toalhas etc. Bibliotecas, discos, cedês, livros, sofás, camas etc. Depois, antes ou simultaneamente, vêm os amigos de um, que se misturam aos amigos do outro. E os vínculos vão se estendendo.
Todavia as mulheres que partiram para fora do lar, mesmo sem se descasarem, estão voltando para casa. O teletrabalho é parte importante dessa volta. E às vezes elas voltam acompanhadas dos maridos.
Os filhos desses descuidos e omissões, causados por uma alocação geral e intensa dos dois em trabalhos externos, estão tendo comportamentos preocupantes. Eles se sentem sem pai nem mãe, criados por babás, empregadas, diaristas e, principalmente, pela parafernália eletrônica que tomou conta das casas, emergindo com grande destaque três aparelhos-professores: a televisão, o computador e o celular.
Sem substituto
Estou escrevendo sobre as tendências e nem todos podem ser enquadrados nesse contexto, mas os indicadores de que caminhamos para o abismo deixam as famílias apreensivas.
Uma agressividade jamais vista tomou conta dos adolescentes. Nos casos extremos, estão agredindo e até matando pais, professores e colegas.
O filme Precisamos falar sobre Kevin, baseado em romance da escritora americana Lionel Shriver, trata de um massacre escolar, bem parecido com aqueles que já aconteceram também no Brasil. Sem amor, sem segurança, sem carinho, abandonados à própria (falta de) sorte, os adolescentes se desestruturam e cometem barbaridades.
Que bom que as mulheres estão voltando para casa e reassumindo um papel para o qual não foram encontradas substitutas à altura. Por norma, quem cuida melhor do que a mãe? Ninguém.Nem o pai.Nem os avós.
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[Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá; autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig]