Uma área relativamente nova, o que chamamos jornalismo verde, está prestes a celebrar seu cinquentenário. Ele tem início ainda nos anos 1950, que foi a época em que meios de comunicação impressos passaram a tratar com algum destaque as notícias, reportagens e informações atinentes aos relacionamentos da humanidade com seu habitat. E os anos 1950 são emblemáticos por diversos motivos, dentre estes o de ter sido o período em que a reconstrução da Europa, arruinada após a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, teve grande ímpeto. Também nesse período o mundo assumiu sua natureza bipolar, distinguindo as nações abarcadas pelo Tratado do Atlântico Norte (Otan) daquelas circunscritas ao Pacto de Varsóvia – dividido entre o capitalismo e o socialismo, entre os liderados pelos Estados Unidos da América e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Ainda não haviam sido cunhados termos como “ambientalistas” e “ecologistas”, tais como os conhecemos hoje. William Witt, autor de um dos estudos pioneiros sobre meio ambiente, ainda nos anos 1980 destacou que “temas emergentes, como a pauta ambiental, podem vir a ser de difícil acompanhamento, pois eles representam áreas de rápida mudança. Na verdade, até atingirem um certo nível de aceitação geral, nunca é absolutamente certo que eles se destacarão o suficiente para justificar ser tratados dentro de uma editoria em separado”.
Na verdade, o reconhecimento da necessidade de editorias para o meio ambiente só veio a ocorrer na virada da década de 1960 para 1970, o período em que a degradação ambiental passou a frequentar com regularidade os meios noticiosos. Witt também afirma em seu estudo que, por volta de 1973, menos da metade das pessoas ouvidas em sua pesquisa sobre o tema haviam se considerado especificamente “repórteres, especialistas ou escritores sobre meio ambiente”.
Iniciativas bem sucedidas
Em 1993 esse quadro mudou substancialmente: pesquisas indicavam que metade dos jornais impressos e 26% dos canais de televisão dos Estados Unidos contavam com um profissional responsável por cobrir pautas de meio ambiente. É verdade que, ainda assim, bem poucos desses jornalistas tratavam do meio ambiente de forma exclusiva e em muitas redações os temas ambientais ficavam sob a chancela da editoria Geral. Pautas de meio ambiente passaram a integrar a área afeta a cobertura de assuntos científicos, muito embora em 1990 fosse criada a Society of Environmental Journalists, trazendo mais foco ao tema.
Podemos inferir que a realização da Conferência das Nações para Meio Ambiente e Desenvolvimento, convocada para o Rio de Janeiro em 1992, promoveu um impulso significativo para jogar luz, tempo e recursos humanos na cobertura dos muitos desastres ecológicos ocorridos no mundo, da emissão de gás carbônico ao uso de pesticidas na prática agrícola, da ocorrência de queimadas a processos ainda incipientes de desertificação; e, finalmente, da necessidade de se pensar em modelos de desenvolvimento sustentável, nos quais os recursos naturais deixam de ser considerados ilimitados e o consumo precisa ser racionalmente mensurado.
Neste início da segunda década do século 21, o tema se tornou vital e inadiável na pauta não apenas dos meios noticiosos, como também na agenda dos governos. Verificou-se que desenvolvimento não pode mais ocorrer a qualquer custo e muito menos de maneira a infelicitar – e mesmo inviabilizar – a sobrevivência de futuras gerações de seres humanos. Foi quando passou a figurar no imaginário do senso comum a sábia percepção de que “se os recursos naturais são limitados, o consumo também deve ser igualmente limitado”.
E o Brasil ocupa lugar central nas discussões sobre meio ambiente: temos as maiores florestas tropicais e o maior volume de água doce do planeta, extensa (e ainda não devidamente catalogada) fauna e flora, além da sempre destacada vastidão territorial. Não teria sido por motivos como esses que há vinte anos sediamos a Cúpula da Terra? E que, em junho deste ano, estaremos realizando uma conferência do porte da Rio+20?
Na mídia brasileira, no entanto, esses temas ainda são tratados quase que inteiramente de maneira superficial, do tipo “você sabia que”, fórmula usada há décadas pelo programa Globo Repórter, transmitido pela emissora líder de canal aberto, a TV Globo. E se existe um programa que parece reagir bem à passagem do tempo é este, apresentado por Sérgio Chapelin. Mas nem tudo pode resistir impunemente à mudança sem que se cobre um preço alto por isso. E o Globo Repórter ainda carrega muito do espírito que animou o velho Telecurso 2º Grau – igualmente produzido pela TV Globo – e parece manter foco exclusivo na busca de satisfazer a mera curiosidade de sua enorme audiência, apresentando semanalmente vasta galeria de animais exóticos, belos espetáculos de erupções vulcânicas e paisagens deslumbrantes do Brasil e do exterior.
Não apenas a “repaginação” do Globo Repórter, mas também o surgimento de novos programas sobre meio ambiente torna-se cada vez mais urgente e mesmo vital. Há que se agregar desenvolvimento e desenvolvimento sustentável como sequência natural das frases que incluam a expressão meio ambiente. E, isso ocorrendo, precisamos trocar em miúdos para a sociedade as pautas que abordem a economia verde, superaquecimento do planeta, a desertificação de terras antes agricultáveis, a criminalização do desmatamento, a difusão de iniciativas bem sucedidas no uso dos recursos naturais seja por governos, seja por organizações da sociedade civil, dentre tantos outros tópicos mais.
Protagonismo histórico
Seria criminoso tratar de meio ambiente sem tratar do ser humano – afinal, é o ser humano o principal beneficiário de um ambiente equilibrado e de um processo bem sucedido de desenvolvimento sustentável. Mas também é este mesmo ser humano seu principal algoz, desmatador, desertificador e predador insaciável dos recursos naturais do planeta.
Não se trata de promover conceitos e práticas que abordem a existência de desenvolvimento sustentável sem que se promova uma reeducação do ser humano na forma de se relacionar com o meio ambiente. Falhando nisso, o sistema todo estará condenado a rotundo fracasso.
Estamos diante de uma encruzilhada: promovemos um todo ambiente em que o homem ocupa o centro e o foco das atenções ou, do contrário, continuaremos tratando o meio ambiente pelo viés do desenvolvimento meramente econômico, objeto de estudo de “especialistas no assunto”. Se decidirmos por esta segunda opção, algo que não implica mudanças e portanto terá resistência nula, estaremos optando por um curso de ação que irá minar todo e qualquer processo participativo da sociedade e, de quebra, sequestrará o sentimento de responsabilidade individual compartilhada para com o bem estar da humanidade e o equilíbrio do planeta.
Aos meios de comunicação cabe o protagonismo na forma como desejamos escrever nosso futuro. Que sejam criadas editorias verdes e reforçadas nas redações a alocação de recursos humanos aptos a abordar os temas ambientais.
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[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]