Em dois meses, o Brasil entrará para um grupo em amplo crescimento. Assim como 88 nações, o país terá implementada a sua Lei de Acesso a Informações Públicas. A partir de 16 de maio, qualquer cidadão poderá solicitar informações em todos os órgãos públicos do país e obter os documentos que forem de seu interesse. Mesmo papéis considerados sigilosos passam a poder ficar disponíveis (dentro de regras definidas pela lei). Além disso, passará a ter online, em sites na internet, dados como gastos do governo, salário dos servidores públicos, diárias pagas, etc. Em tese, é isso o que a lei prevê que acontecerá. Na prática, porém, as coisas poderão ficar ainda bem longe desse mundo ideal. Apesar do aparente avanço em termos de transparência, questões mal resolvidas têm preocupado especialistas e gestores públicos. A principal é quanto à regulamentação da matéria, que, a dois meses do final do prazo definido, ainda não foi feita.
Por se tratar de uma lei nacional, ela precisa ser regulamentada para estabelecer os critérios específicos de implementação da lei, já que o texto base apresenta as diretrizes gerais. Há várias questões práticas que somente a regulamentação vai resolver. E elas só ficarão esclarecidas após a publicação do decreto presidencial. Segundo Jorge Hage, o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, órgão mentor da lei e responsável pelo auxílio da sua implementação, a regulamentação sairá com certeza antes do dia 16 de maio, mas ainda não há previsão para a data exata. “Nós gostaríamos que já tivesse saído, até porque faz falta para a orientação sobre determinados assuntos que nós temos que dar aos ministérios e aos vários órgãos. Há muitas perguntas que precisamos responder aos órgãos que estão dependendo dessa regulamentação. Mas ela não é simples. Isso está sendo objeto de um grupo de trabalho que se reúne quase diariamente na Casa Civil e nós esperamos que o mais rápido possível nós possamos ter esse decreto que sanará as dúvidas que estão surgindo nos órgãos”, disse. Pessoas relacionadas à edição do texto que regulamentará a lei, informam que ele pode ser editado até o fim deste mês. No entanto, esta não é a primeira vez que a CGU promete a regulamentação.
Desculpa para não implementar
São várias questões práticas em jogo, como lembra o secretário de Transparência e Controle do Governo do Distrito Federal, Carlos Higino. Higino é o responsável pela implantação da Lei de Acesso no âmbito do GDF. Por exemplo, a Secretaria de Saúde tem um cadastro de pessoas que recebem medicamento contra a Aids. É preciso divulgar esse cadastro? Mas, ao divulgá-lo, essas pessoas não podem começar a sofrer preconceito? A Secretaria de Segurança tem um mapeamento da incidência de crimes. Divulgar esse mapeamento não pode atrapalhar investigações? O que ainda poderá ser mantido sob sigilo? De que forma determinados dados devem se tornar públicos? Essa é a discussão.
Para Gil Castelo Branco, fundador da ONG Contas Abertas, especializada na abertura e no acompanhamento de dados públicos, a falta de regulamentação da lei pode às vezes ser usada como mera desculpa para atrasar a implementação da Lei de Acesso. “Sem a regulamentação, muitos órgãos ficam de mãos atadas, embora eu acho que não precisassem, porque providências já deviam estar sendo tomadas, mas muitos encontram uma justificativa para não fazer nada na falta da regulamentação”, lamenta Gil.
Ocorre, porém, que, assim como prevê uma regulamentação nacional, a Lei de Acesso prevê também regulamentações específicas nos estados e municípios. No Distrito Federal, por exemplo, o governador Agnelo Queiroz editou um decreto no dia 9 de março criando um grupo de trabalho para preparar uma lei local detalhando como será a questão do acesso aos dados públicos em Brasília. O grupo está trabalhando e, segundo Carlos Higino, prevê concluir seus trabalhos em abril. De qualquer modo, as leis locais não podem se chocar com o que for previsto nacionalmente.
Para Gil, toda essa confusão em um momento tão próximo da implantação prática da Lei de Acesso, é preocupante. Se no dia 16 de maio não se sentir uma mudança substancial na questão da transparência pública, o fundador da ONG Contas Abertas teme que se gere um sentimento de frustração. “No Brasil, as leis são como vacinas. Umas pegam e outras não. Por isso, existe essa preocupação. Caso a lei não seja aplicada corretamente e seja respeitada desde o início, ela pode cair em desuso e ser uma das muitas leis que já nascem mortas”, disse. Como Higino, Gil também preocupa-se com as regulamentações estaduais e municipais. Por isso, ele considera que a regulamentação “sai tarde”. Todos os órgãos devem criar grupos de trabalho para catalogar e organizar o material, além de separar os que deverão ser prontamente publicados e reclassificar os demais em reservados, secretos e ultra-secretos, conforme estabelece a lei.
A Lei de Acesso acaba com o sigilo eterno de documentos. Os dados podem ser classificados como ultrassecretos, secretos e reservados. Os documentos secretos ficarão sob sigilo por um prazo máximo de 25 anos. Os secretos, por 15 anos, e os reservados, por cinco anos. Todo esse novo processo de catalogação, no entanto, precisa ser iniciado em todos os órgãos da administração.
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Transparência é necessária, mas sai cara
Ainda não há a estimativa de quanto o país gastará na implementação da lei de acesso a informações públicas, mas com certeza passará muito da casa dos milhões de reais. Só os Estados Unidos gastam cerca de US$ 380 milhões (R$ 685 milhões) por ano para manter o sistema de acesso a informação em funcionamento. No Reino Unido, são gastos anualmente 35 milhões de libras esterlinas, cerca de R$ 99,2 milhões. Na Irlanda, os custos equivalem a R$ 6 milhões e na Austrália, a R$ 57 milhões. “São custos altos, mas necessários, que podem, inclusive, ajudar a diminuir o desperdício de dinheiro nos governos. É importante entender que o dinheiro é necessário para que a lei funcione”, defende Hage.
Também não se sabe ainda qual será a demanda de informação com que o governo terá que lidar. Segundo a diretora de Prevenção da Corrupção da Controladoria-Geral da União (CGU), Vânia Vieira, só será possível quantificar a demanda após um período de experiência com a lei. Como comparação, a Suíça não teve um pedido sequer no primeiro ano de vigência da lei. Já na Índia, foram mais de 2 milhões de requerimentos. “É um engano pensar que os pedidos virão só da imprensa, que a lei só servirá aos jornalistas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os empresários são os que mais pedem informações ao governo. No Chile, cuja lei é de 2009, os pedidos foram feitos prioritariamente por pesquisadores acadêmicos. Apenas 3% foi feito pela imprensa”, explica Vânia.
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[Mariana Haubert, do Congresso em Foco]