Advogados, promotores e juízes devem mirar-se no exemplo da linguagem da mídia para refazer seus textos. Sei que é raro a mídia dar algum bom exemplo e este Observatório da Imprensa é o lugar em que mais tenho criticado os desjeitosos pecados de nossa mídia por palavras, atos ou omissões, os três modos clássicos que temos de errar, mas eles errariam menos se trocassem o palavreado jurídico de insólitas complicações por um texto capaz de ser entendido por quem sabe ler e escrever.
Vou dar dois pequenos exemplos e voltarei ao assunto, no qual já estive tantas, em outras oportunidades.
Cena um. Departamento Jurídico XI de Agosto, em São Paulo. Um estudante de Direito atendia um pobre homem que queria saber o que de ruim poderia acontecer: tinha uma dívida e não podia pagá-la. Estava apreensivo. Todos os dias o credor o ameaçava. Ele, então, procurara socorro jurídico, como quem vai à farmácia comprar um analgésico ou um purgante para resolver um problema. Até que estava entendendo as etapas do processo, mas quando ouviu que, se nenhuma das explicações do doutorzinho desse certo, ele seria executado, o pobre homem estremeceu. Achou que fossem matá-lo.
Para pior
Cena dois. Tribunal de júri. O réu, algemado, ouviu tudo, mas também falou tudo o que quis. Foi a única ocasião em que pôde falar em toda a sua vida, sem nenhuma interrupção, a não ser algumas perguntas de difícil entendimento. Quando enfim, depois de reunir o corpo de jurados, o juiz leu a sentença, ele entendeu menos ainda. O defensor não percebera que seu cliente não entendera nada e perguntou: “E daí? O senhor quer apelar?”.
Assim, de nada adianta a Lei garantir coisa nenhuma, pois ainda não deu conta de garantir que as pessoas entendam, não o que está escrito, mas o que é ali é falado. E a linguagem jurídica, em vez de contribuir para que as leis sejam entendidas, atrapalha.
Há um movimento para simplificar a linguagem utilizada no Direito. Sai o “pretório excelso” e entra o Supremo Tribunal Federal. Designa a mesma entidade, mas é mais simples. Entram expressões como “deixar para amanhã” ou mesmo “adiar”, e sai "procrastinar". Endossar, embora dito “adoçar”, os simples já entendem que não é pôr açúcar no café, é assinar, por reforço, um documento já assinado.
Algumas palavras já foram mudadas, mas para pior. Usucapião tornou-se usucampião. É explicável. Como já conhecem as palavras “uso” e “campeão”, as duas foram adaptadas e juntadas para gerar uma nova palavra que os leve a entender aquela que lhes é desconhecida.
PS. Acabei de delinear aos leitores desta coluna uma das vertentes da conferência que, a convite da Escola Paulista de Magistratura, ministrarei naquela cidade, na manhã do dia 31 de março, no Salão do Júri do Fórum da Justiça Estadual em Ribeirão Preto (Rua Alice Allen Saad, 1010 – Ribeirânia). O outro palestrante será o Dr. Ricardo Chimenti, Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (foro central) e assessor de gabinete da Ministra Eliana Calmon, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As inscrições estão abertas. Há 230 lugares. A entrada é livre e as inscrições podem ser antecipadas pelo e-mail saritaa@tjsp.jus.br. Sejam bem-vindos todos os que se interessam, especialmente juízes de direito, promotores de justiça, advogados, funcionários forenses e estudantes de direito.
***
[Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá; autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig]