A maior parte dos jornais e tevês cobriu a reunião de cúpula dos Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – como se fosse um evento de grande consequência. Jornalistas gastaram tempo e esforço para levantar e transmitir informações sobre a Índia, país sede do encontro. Acima de tudo, a maioria dos enviados acompanhou com muito cuidado a movimentação e as palavras da presidente Dilma Rousseff, cobrindo muito mais a comitiva brasileira do que o evento, mas isso é tradicional.
A presidente falou sobre assuntos internos, como os problemas da indústria, os pacotes em estudo em Brasília. Falou, também, sobre a crise do governo com a base aliada, para classificá-la como fantasia criada pela imprensa. A cobertura da Folha de S.Paulo foi, de longe, a mais crítica e mais didática, pela avaliação do significado das palavras e do alcance prático das ações combinadas ou discutidas, tal como adoção das moedas nacionais, especialmente o yuan, nas trocas entre os cinco parceiros.
Pergunta atribuída a um funcionário brasileiro: qual a vantagem de receber dinheiro chinês em vez de dólares?
Destaque para o acordo
Chamar a atenção para detalhes como esse, ou para a diferença entre os discursos e a prática habitual de cada governo, faz toda a diferença quando se cobre um evento desse tipo. O repórter deve estar preparado para ir além das palavras e atitudes oficiais e ajudar o leitor a entender os fatos citados em seu relato. Deve saber o suficiente, antes da cobertura, para enquadrar os problemas, discussões e propostas num cenário mais amplo.
Quantas vezes a presidente Dilma Rousseff já criticou, no Brasil e no exterior, os bancos centrais dos Estados Unidos e da União Europeia, acusando-os de provocar um tsunami monetário? Em contrapartida, quantas vezes terá criticado a política chinesa de persistente depreciação cambial? Como a questão cambial tem sido tratada no Grupo dos 20 (G-20)? Questões como essas constituem um background essencial para uma boa cobertura dos temas discutidos no encontro de Nova Delhi.
Mesmo as melhores coberturas desse encontro poderiam ter ficado mais condimentadas se os repórteres houvessem resumido e comentado a declaração conjunta emitida no final do encontro. A declaração foi muito mais divertida, retórica e inócua que o rascunho divulgado antes da reunião. Quem quiser ler um bom exemplo de retórica vazia – algo como um documento produzido apenas para cumprir tabela – pode encontrar o texto, em português e em inglês, no site do Ministério de Relações Exteriores, na parte dedicada a notas para a imprensa (ver aqui).
Ainda na área internacional, a notícia mais positiva da última semana de março foi o acordo entre os governos da zona do euro sobre a ampliação dos fundos de resgate, a Linha Europeia de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilidade. O acordo foi anunciado na sexta-feira (30/3) e noticiado com destaque pelos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Mais importações
Os governos menos dispostos a pôr mais dinheiro nas operações de socorro, especialmente o alemão, acabaram, depois de muita pressão, concordando com um total de 700 bilhões de euros. Muitos economistas, incluído Angel Gurría, secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o clube dos industrializados, vinham defendendo 1 trilhão de euros. Mesmo assim, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, elogiou o acordo. Ela teria muita dificuldade para contribuir com mais dinheiro para as operações de socorro à Europa – provavelmente com dinheiro dos emergentes – se os próprios europeus se recusassem a um esforço maior para cuidar de seus problemas.
Do lado interno, as grandes notícias de política econômica foram as novas previsões do Banco Central (BC), contidas em seu relatório trimestral de inflação, e as informações antecipadas sobre o novo pacote de apoio à indústria, prometido para o começo do abril. Todos os jornais entraram no assunto e o Estado de S.Paulo foi um pouco mais longe que os demais, ao mencionar novas medidas protecionistas em estudo no governo.
A competitividade industrial continua sendo o grande tema da economia nacional. Em 2012, segundo as novas projeções do BC, as fábricas brasileiras de manufaturados continuarão com dificuldade para acompanhar o crescimento da demanda interna, mas, ainda assim, a inflação deverá ficar em 4,4%, pouco abaixo do centro da meta. Mas parte importante da demanda será mais uma vez suprida com importações. A previsão de superávit comercial (dependente essencialmente dos produtos básicos) foi reduzida de US$ 23 bilhões para US$ 22 bilhões nas contas do BC.
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[Rolf Kuntz é jornalista]