Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Dados dos usuários da internet não são mercadoria

Nesta terça-feira [3/7], o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto de lei do Marco Civil da Internet (PL 2.126/11), dará seu parecer sobre o texto à Comissão Especial da Câmara criada para examinar o tema. É o passo inicial para que o texto seja apreciado e depois encaminhado a plenário. Segundo o deputado, o marco civil será uma lei pioneira que pretende proteger “a liberdade de expressão, a privacidade dos usuários e a neutralidade na internet”, tornando o ciberespaço um ambiente mais seguro para todos, em última análise. “É um dos projetos de lei mais avançados do mundo em termos de proteção do usuário na grande rede”, garante o parlamentar.

Como vem caminhando o projeto do Marco Civil da Internet?

Alessandro Molon – O projeto de lei é de inspiração do Poder Executivo. O texto inicial veio do Ministério da Justiça, passou por duas consultas públicas, sete audiências públicas, e agora irá à apreciação da Comissão Especial da Câmara criada para avaliar o assunto. Foram ouvidas, entre sociedade civil, governo e empresas, mais de 60 entidades. Até pelo Twitter chegaram sugestões de modificação.

Como o texto lida com a liberdade de expressão? Hoje é muito comum haver notificações por qualquer comentário na rede, não?

A.M. – Hoje há decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que mandam retirar um comentário considerado ofensivo do ar em 24 horas. Pelo marco, um site não será obrigado a retirar um comentário ou crítica postado em seu seio só com uma notificação. Propomos que isso somente aconteça mediante ordem judicial que configure de fato tal comentário como crime de difamação ou calúnia. Só depois de notificado judicialmente é que o site fica obrigado a retirar o conteúdo ofensivo. Isso protege a liberdade de expressão e evita distorções como a exigência de retirada do ar de uma crítica só porque alguém não gostou do tom. Grandes empresas provedoras de conteúdo podem resistir mais nesses casos, mas os blogs menores se sentem ameaçados e tendem a retirar comentários mais rápido do ar, o que acaba configurando uma forma de censura.

A privacidade é um dos grandes problemas da internet hoje. De que forma a lei se propõe a protegê-la?

A.M. – Os usuários devem ter sua navegação e intimidade respeitadas, até para evitar que seus dados sejam acessados e vendidos como mercadoria. Eles têm todo o direito de garantir o anonimato de sua navegação usando os recursos necessários para evitar o rastreamento (por exemplo, o uso de abas para navegação anônimas fornecidas por alguns navegadores). Os e-mails têm que ser protegidos como uma carta enviada pelo correio. E os sites que pretendem armazenar outras informações além das fornecidas na inscrição do usuário num serviço têm que informar para que propósito o farão.

Mas o texto prevê que os provedores armazenem registros de conexão…

A.M. – Sim, o marco determina que os provedores guardem os logs de conexão por pelo menos um ano. Mas veja bem: o provedor deve guardar os registros da conexão (como hora em que se conectou, IP da conexão e hora da desconexão, exatamente como numa ligação telefônica), mas não pode monitorar, nem guardar dados da navegação e uso de serviços on-line. E os logs de conexão não podem ter acesso franqueado sem uma ordem judicial explicando direitinho por que motivo é preciso investigar os registros.

Guardar esses registros é mesmo necessário?

A.M. – Há quem seja contra guardar os registros de conexão, mas sem eles não é possível proceder a investigações importantes na internet, como redes de fraudes e de pedofilia. E o texto é bem claro na exigência de resguardo da privacidade. Aliás, ele limita bem a guarda dos logs de conexão, que hoje já são armazenados por períodos maiores que um ano.

O terceiro pilar do texto do projeto de lei (PL) é a garantia da neutralidade da navegação da internet. É possível coibir a prática?

A.M. – Não se pode dar preferência, através de acordo comercial, à navegação num portal A em detrimento do portal B (por exemplo, dificultando a passagem dos pacotes de rede do portal B no tráfego on-line); a internet precisa estar disponível igualitariamente e, segundo o PL, os pacotes de dados que circulam devem fazê-lo sem interferência, filtro ou monitoramento de provedores e intermediários. Inclusive, retiramos do texto uma menção à regulamentação da prática, para evitar que qualquer órgão do Executivo se arrogue a definição da neutralidade da rede, distorcendo-a.

O intenso debate sobre os direitos autorais na internet não entrou no PL. Por quê?

A.M. – O Marco Civil é uma espécie de Constituição da Internet no Brasil. Debaixo desse guarda-chuva inicial, virão outros PLs mais específicos. O debate sobre direitos autorais é muito complexo e vai além da internet, por isso não o incluímos no texto. Se antecipássemos esse debate no Marco Civil, ele poderia não andar. Lembro-me de uma audiência em que alguém falou “temos que discutir direitos autorais”. Ato contínuo, outro indivíduo se levantou e disse: “Nesse caso, também teremos que debater padrões educacionais abertos”. Assim, o texto não teria fim.

Como o projeto seguirá a partir de seu parecer?

A.M. – Na terça, dia 3, farei o relatório do PL, e no dia 10 ele será votado na Comissão Especial. Depois disso, poderá seguir para plenário. O mais provável é que seja votado em plenário no segundo semestre, mas há chances de isso acontecer antes do recesso parlamentar.

O Marco Civil pode ter impacto em problemas de privacidade e mau uso dos dados dos usuários em publicidade em mídias sociais? Também se teme que a reunião da União Internacional de Telecomunicações (UIT) em dezembro em Dubai dê mais poder aos governos no controle da internet… Uma lei como essa pode indicar outro rumo?

A.M. – Acho que sim, a lei pode ter impacto nessas questões em redes sociais. Se entrar em vigor logo, também poderá influir no debate do fim do ano em Dubai, a que o mundo está atento.

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[André Machado, de O Globo]