O presidente eleito do México, Enrique Peña Nieto, rebateu na reta final de campanha acusações de que o Partido Revolucionário Institucional (PRI), a quem representa, mantém um pacto de não agressão com o narcotráfico. Pelo menos dois governadores do partido, que presidiu o país de 1929 a 2000, são investigados por envolvimento com o crime organizado. Um sinal da falência das instituições no país são ataques, ameaças e extorsões que levaram jornais de estados como Veracruz e Tamaulipas a deixar de cobrir crimes do narcotráfico. Por e-mail, Peña Nieto respondeu a questões sobre o tema.
Nos últimos 18 meses, houve nove mortes de jornalistas em Veracruz, governado por seu partido. Em Nuevo Laredo, o jornal El Mañanaé atacado com frequência e diretores admitem autocensura. Como seu governo reagirá a este cerco?
Enrique Peña Nieto – As mortes na comunidade jornalística não só representam tragédias humanas, como também são atentados contra a liberdade de expressão e de imprensa, pilar indispensável de nossa democracia. Chefiarei um governo que garanta as liberdades políticas, fomentando uma cultura de tolerância com todas as expressões políticas. Não se permitirá impunidade em homicídios, sequestros, lesões, ameaças ou qualquer ataque ao exercício da liberdade de expressão e de imprensa.
“60 mil mexicanos morreram em seis anos”
Os assassinatos de jornalistas são amostra de um problema mais amplo: 98% dos crimes no México não são esclarecidos. Como atacará a impunidade?
E.P.N. – O objetivo é fortalecer o sistema de Justiça, contar com ministérios públicos e juízes profissionais. Velarei pela reforma do sistema de Justiça penal em nível federal e em todos os Estados. Nesse regime de julgamentos orais, cada parte apresentará suas provas e alegações perante o juiz, a vítima, o acusado, seus advogados e a cidadania em geral, para conseguirmos maior agilidade, transparência e publicidade. Que fique claro: nenhum infrator, independentemente do partido a que pertença, será eximido da responsabilidade.
O poeta Javier Sicilia, do Movimiento por la Paz, o vê como um homem pragmático que seguirá “uma guerra às drogas que só aumentará as mortes porque o país está subordinado à política americana”. E o situa entre os que entendem o Estado como “dono da violência legítima”. Ele está correto?
E.P.N. – Durante minha campanha, escutei as vozes de um México plural, entre elas a do poeta Javier Sicilia (que comanda um movimento pela paz desde que seu filho foi morto por traficantes). Respeito as causas que alentam o Movimento por la Paz que ele chefia. Ante a morte de 60 mil mexicanos em seis anos, as críticas de defensores dos direitos humanos e os questionáveis avanços na detenção do fluxo de drogas, reexaminaremos todas as políticas. Enfrentaremos as causas desse problema, principalmente a estabilidade econômica e social. Mas rejeito que nossa estratégia seja subordinada à política de outro governo.
“Não creio que a legalização das drogas seja a solução”
O senhor disse que “por enquanto” o Exército continuará agindo em estados como Veracruz, Tamaulipas e Guerrero. Quando o tirará?
E.P.N. – Seria irresponsável fixar um prazo de maneira antecipada para a retirada do Exército. Isso será decidido em função da evolução das condições no terreno. O que revisarei de imediato é o marco legal da atuação das Forças Armadas nessas funções e a adoção de protocolos para o respeito aos direitos humanos. O principal para definir os prazos de transição será a modernização e reestruturação das polícias. A participação das Forças Armadas fez-se necessária ante a ausência de instituições policiais sólidas e confiáveis. Propus a criação de uma Gendarmería Nacional, novo corpo de segurança pública de origem militar. Paralelamente, apoiarei a criação de Polícias Estaduais Únicas nas 32 unidades do país e implementarei uma carreira de formação policial com capacitação, salários e benefícios à altura do trabalho.
O controle estatal sobre a maconha, a exemplo do que fez o Uruguai, pode ser seguido?
E.P.N. – Respeito a soberania absoluta de cada Estado, mas não creio que a legalização das drogas, que atualmente são ilícitas, seja a solução. No entanto, não estou fechado ao debate. Esse é um tema em que os próprios especialistas não se puseram de acordo. O que é certo é que essa opção, para ser viável, exige um consenso transnacional que não existe. O ideal seria conseguir um consenso mundial, mas se esse não for possível, ao menos deveria haver um consenso regional que inclua os EUA.
“Os mexicanos podem aprender com a experiência colombiana”
Que virá dos EUA, maior mercado consumidor de drogas?
E.P.N. – Fortalecer a cooperação e coordenação com os EUA, nosso parceiro mais importante, será indispensável. Considero que devemos definir metas claras e mensuráveis em prazos determinados e sou a favor de um intercâmbio de tecnologia e de inteligência. Não culpo as armas dos EUA por todos nossos males e muito menos tenho a intenção de interferir na legislação desse país. Mas sou a favor de medidas para restringir o tráfico ilícito de armas, como já ocorreu com o movimento de imigrantes que cruzam a fronteira.
Como espera que o especialista colombiano Óscar Naranjo ajude na segurança mexicana, uma vez que o atual governo sempre se esquivou da comparação entre a Colômbia dos anos 90 e o México atual?
E.P.N. – Não há dúvida de que Colômbia e México enfrentam a luta contra o narcotráfico e o crime organizado em contextos históricos, legais, políticos e estratégicos distintos. Mas estou convencido de que os mexicanos podem aprender lições importantes com a experiência colombiana, tanto em matéria de combate ao narcotráfico e ao crime organizado, quanto no fortalecimento das instituições policiais. O general Naranjo, em particular, foi reconhecido por diversas agências em todo o mundo como um dos líderes mundiais na luta contra o crime organizado.
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[Rodrigo Cavalheiro, do Estado de S.Paulo]