Ex-chefe em matutinos como O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil, José Nêumanne Pinto, hoje no Jornal da Tarde, Rádio Jovem Pan e SBT, reivindica que o território livre da internet passe a ter vigilância diuturna: não só da Justiça, como do governo. Ele quer uma “lei dura” para regular excessos da internet, da mesma forma que a lei “regula abusos dos demais meios de comunicação, como a TV e o jornal”. Nêumanne, em apenas uma quinzena, voltou ao tema duas vezes: no começo do mês, em audiência na Câmara dos Deputados, em Brasília, e nesta quarta-feira, 17 de julho, em seu artigo à página A2 de O Estado de S. Paulo.
O articulista, associado a posições conservadoras, refere que foi acusado por um internauta militante de ser autor de um estupro contra uma menina de nove anos. E que o fato teria se consumado em Campinas, a 100 km de São Paulo. “Abri um inquérito na Polícia Civil de São Paulo e, apenas dois anos depois, há um mês, o Google me informou que o autor das denúncias difamatórias as havia postado a partir de um e-mail criado pelo provedor do jornal O Estado de Minas. Agora aguardamos o jornal fornecer o nome da pessoa. Foi tudo mentira dele, não há nada na Justiça de Campinas, mandei procurar.” Ele sustentou, no depoimento à Câmara, que uma autoridade do executivo federal teria comemorado a informação como “uma grande descoberta sobre a vida de Nêumanne”.
Autor do livro O que sei de Lula (Topbooks, 522 pgs. R$ 69,00), Nêumanne pegou pesado com o ex-presidente: trouxe no livro um Lula que teria sido delator de colegas, pouco afeito ao trabalho e sem nenhum compromisso com os ideais e bandeiras que o levaram à presidência. A postura sempre nada afeita às esquerdas, ou às novidades, como “blogueiros sujos”, fez de Nêumanne um dos jornalistas mais vilipendiados pelo chamado progressismo.
Meteu a boca na internet
“Há de haver um novo marco a ser discutido, a criação de uma lei dura contra os criminosos da internet. Eles têm atacado de todos os lados, da direita e da esquerda. Esses anos recebi barbaridades pela internet: fotos do Lula lendo livros de ponta-cabeça, de Dilma empunhando armas, falsos relatos de que Boris Casoy, que é judeu, frequentava o clube Hebraica, em São Paulo, usando a cruz suástica no corpo, relatos de que William Waack era da CIA e de que teria recebido fortunas da Chevron para doá-las à campanha de José Serra. Essas pessoas têm de ser punidas por essas calúnias, e não há lei eficiente para tal”, relata Nêumanne. O jornalista lembrou ter sido criada contra ele uma página no Facebook por um militante chamado Nelson Henrique Abib. E que o Facebook não retirou a página do ar enquanto a empresa não foi chamada a depor na polícia.
Foi nessa linha que, por 17 minutos, no último dia 3 de julho, Nêumanne meteu a boca na internet. O jornalista havia ido depor na audiência pública sobre violência contra jornalistas na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, a convite dos deputados Efraim Filho (DEM-PB) e William Dib (PSDB-SP). Clique aqui para ver o depoimento.
Hoje Nêumanne roteiriza novamente a discussão com o artigo abaixo, no matutino O Estado de S. Paulo.
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Provedores e redes sociais na internet devem ser tidos como meios de comunicação
José Nêumanne Pinto
No fim do mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do Google contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio que o obrigava a deixar de oferecer fotos e filmes de apelo erótico e sugestões de pedofilia da estrela de cinema e televisão Xuxa Meneghel. A jurisprudência foi firmada sob a alegação de que o provedor de internet não pode ser inculpado nem punido por material que não produz nem fiscaliza, mas apenas faz circular. Antes disso, a Terceira Turma do STJ manteve condenação ao Orkut, de propriedade do Google, por ter mantido ofensas feitas por um blogueiro ao diretor de uma faculdade em Minas. Aquela turma fixou em 24 horas, depois de denunciada a ofensa, o prazo para o veículo suspender a exibição dela, sob pena de ser corresponsabilizado judicialmente.
Para qualquer leigo em meandros do jurisdiquês, caso do autor destas linhas, há uma contradição em termos. E certamente a confusão é provocada pela ausência de uma legislação clara e rigorosa para coibir a circulação de infâmias covardes e anônimas em redes sociais e quaisquer veículos que acolham e divulguem informações de todo tipo num dos meios mais utilizados de comunicação deste século da alta tecnologia, que é a rede mundial de computadores. A omissão jurídica a respeito do assunto não é uma exclusividade tupiniquim, mas nos países desenvolvidos alguns avanços têm sido registrados para impedir abusos sem violação de direitos elementares da liberdade de informação, expressão e opinião. A praticidade e a comodidade oferecidas pelo banco de informações vendido pelo Google são de tal ordem que tem passado ao largo dessas decisões o fato elementar de que esse provedor vende um produto que obtém de graça, o que caracteriza, obviamente, pirataria. E também que a tecnologia capaz de facilitar qualquer pesquisa ou informar algo relevante a alguém que trabalhe com informação ainda não desenvolveu meios que tornem possível separar o joio do trigo. Não se sabe como distinguir um dado correto de uma reles falsificação.
Salvaguardar a honra do cidadão
Na verdade, não é realista reivindicar a erradicação da falsidade proibindo que o instrumento funcione, pois isso provocaria uma revolta mundial de usuários já habituados à facilidade da obtenção dos dados necessários para uma pesquisa ou um texto. Mas urge mudar radicalmente o enfoque que tem sido dado à proteção das mensagens veiculadas – reais ou falsas. As redes sociais e os provedores dessas informações não são – como querem fazer crer os executivos de um dos mais bem-sucedidos negócios de alta tecnologia do mundo – apenas formas de relacionamento interpessoal, mas seu alcance permite defini-los como meios de comunicação social. Quem duvidar está convidado a refletir sobre a importância dada a esses meios pela publicidade comercial e pela propaganda política.
Por mais riscos que a falta de vigilância possa provocar, seja na boa imagem de produtos, seja na honra de cidadãos, ninguém resiste a anunciar, promover ou simplesmente se expor por esses meios. Neste ano de eleições municipais, o caluniômetro nacional ganhará velocidade maior até do que a do impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, fazendo parecer folguedos de crianças as infâmias divulgadas na última campanha presidencial, tais como fotos de Luiz Inácio Lula da Silva com uma mancha de urina na calça ou lendo um livro de cabeça para baixo e de sua candidata, Dilma Rousseff, exibindo um fuzil a tiracolo. Dilma também foi citada falsamente como impedida de entrar nos Estados Unidos por causa de sua militância na guerra bruta e suja contra a ditadura militar brasileira, na qual os americanos simpatizavam com os militares.
No entanto, ainda que vítima, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) nunca manifestou interesse algum em reprimir a grotesca rede de infâmias que circula impunemente entre os usuários de computadores no Brasil, como se ela fosse de somenos importância.
O petista Marco Maia (RS), presidente da Câmara dos Deputados, tem tratado com displicência acima do razoável a tramitação na Casa do Marco Civil da Internet, que, em teoria, poderia pôr fim à confusão a respeito da responsabilidade de provedores e redes sociais em crimes contra a honra, como exposto no início deste texto. Aliás, a expressão em teoria merece uma explicação. A proposta a ser debatida e votada no Congresso é de uma platitude que não assusta caluniadores pela internet nem tranquiliza suas vítimas eventuais – quaisquer que sejam. Seria ingênuo imaginar que os parlamentares, cujos partidos são vítimas e algozes da rede mundial da maledicência, enfrentassem temas que tampouco empolgam seus colegas nos países mais ricos, como a pirataria do Google ou os serviços prestados pelas redes sociais às agências de espionagem. Mas é sua obrigação precípua impedir que se confunda – como vem ocorrendo, e não só nos meios cibernéticos – liberdade de expressão com licença para enxovalhar a honra alheia.
A indiferença dos legisladores ao problema torna-os cúmplices de quem se aproveita da ausência de leis que impeçam expressar ressentimentos, manifestar desvios de comportamento e até tirar vantagem da difamação. Não há mais tempo hábil para evitar que essa prática daninha provoque turbulências indesejáveis nas campanhas eleitorais que estão para começar. Mas é preciso desde já empenhar a energia e o poder político que os membros do governo federal têm para pôr fim a esse massacre de reputações na telinha, em vez de gastá-los na discussão de marcos regulatórios da mídia e outros eufemismos a pretexto de disfarçar tentativas de controlar a informação ou a opinião desagradáveis ou nocivas aos donos do poder.
O primeiro passo a ser dado é a conscientização de que combater a veiculação da infâmia anônima em quaisquer meios, computadores pessoais inclusive, não é ferir as liberdades individuais, mas acudi-las, salvaguardando a honra do cidadão. [José Nêumanne Pinto é jornalista, escritor e editorialista do Jornal da Tarde]
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[Claudio Julio Tognolli é jornalista]